quinta-feira, 22 de setembro de 2016

MUNDOS PARALELOS











A administração de homens




Alexandre Michkim





-        Homem não presta mesmo. O que ele está fazendo com ela! Ela não merece passar por isto. Homem é cachorro, não presta mesmo. Veja, como ele abusa! Como ele pisa.

-        Por isso que eu nunca gostei de homem. Mesmo em uma ilha deserta, eu não quero um homem nem pela frente e nem pelas costas.

-        Eduardo, compreenda. Não ironize. Não deboche. Tenha paciência e procure compreender este momento de sofrimento por que passa Andréia.

-         Ela é nossa filha. Está sofrendo, ela gosta do Paixão e ele só apronta com ela. Uma atrás da outra.

-        Compreender? Compreendê-la? Temos que também compreender o rapaz, a vida dos jovens, seus desejos, suas vidas, a vida dele e a vida dela. O que ela quer? O que ele quer?

-        Ele abusa, extrapola, humilha, a faz sofrer. Não pode ser assim e não pode continuar.

-        Não entre na vida deles. O sofrimento pode fazer parte da felicidade, pode ser essencial no jogo dos dois se conhecerem. Não vamos inventar regras de vida. A vida se vive. O amor também se vive. O que eles passam só terá beleza, só será sublime se for vivido apenas pelos dois.

-        Ela tem que saber administrar este momento, então?

-        Administrar? É uma proposta. Vamos em frente. Nossa filha vai administrar sua felicidade para obter sempre a felicidade, para graduar a felicidade sempre de menos para cada vez se mais feliz. Na administração da felicidade, ela terá pela frente situações e pessoas. A primeira ação dela hoje será administrar a crise, ela sozinha, sem ajuda de terapeutas, com base no que ela conhece da vida, das experiências já vividas, das histórias de amor ouvidas de amigas, pais e demais aparentados.

-        Não ironize! Os homens partem para o deboche em argumentos. Pare com tanta ironia. Tanto desrrespeito!

-        Engano seu, na administração das relações humanas, as amorosas são as mais complexas. São as que põem grandes empresas e grandes negócios a perder, como jogam no lixo grandes potenciais e grandes possibilidades de vidas. Suponhamos, então, que ela consiga administrar a situação crítica atual e que leve esta relação à frente até que ela possa ter sobre tudo isto o domínio e fique num ponto de equilíbrio afastando a crise. E agora?

-        E agora?

-        É administrar o homem, administrar o outro. Há o homem touro, forte, cheio de força e que se reduz à admiração que todos têm sobre sua beleza selvagem. É admirá-lo, exaltar sua capacidade, seu poder. Há o homem macaco cheio de graça, sempre trepado num pau. Há o homem girafa especulando sobre o mundo, cabeça mais alta e que acredita que vê tudo. Por aí se viu que para administrar um homem há que classificá-lo e uma classificação não pressupõe a metáfora baseada em mamíferos, pode ser em vegetais, o homem samambaia, vistoso, muito verde, sempre na sombra, muito trabalhoso. Haveria, então, o homem flor de jardim público, que se vê ao longe, pois é proibido pisar na grama. O homem orquídea que acontece pouco mas quando acontece é pura beleza e grande satisfação. O homem palmeira, belo sempre à distância, quando perto sequer se o percebe. Exercite a imaginação e continue a classificação. No reino aquático, haverá classificações talvez mais próximas como a do homem sapo, que vive dentro e fora, o homem surucucu, que abraça para comer, o homem traíra, que chega na mesa sem espinho. O homem robalo que você só encontra em supermercado. O homem sardinha sempre bem vestido, sempre de terno, sempre apertadinho e que você sempre encontra em bandos, juntinhos, sempre em volta de uma mesa ou em fila de cinema e de supermercado.

-        Loucura isto! Meu amor, meu homem animal, vegetal e, esqueceste, meu homem mineral, pedra, pedra, toupeira.

-        Cara, minha mulher querida, não há outra forma de conhecer senão classificando e para classificar é necessário partir de uma classificação paralela em que você retiraria do outro ser o essencial em sua observação. Depois da classificação, depois de definido o universo em que você atuaria, escolhido o outro por suas características essenciais, o negócio torna-se mais consistente e é aquele. Como administrar, por exemplo, um homem obcecado por jogo, por qualquer tipo de jogo? Ou um homem religioso, carola, sério, sério demais, honesto, honesto demais, piedoso, bondoso, humilde? Como administrar, enfim, um santo?  Vamos ficar nestes dois tipos.

-        Um jogador apostador e um santo homem? Por que estes dois?

-        Um apostador estaria sempre numa zona de risco e seria capaz de apostar a mulher. Um santo homem seria um ser só de doçura, pureza total.

-        Tem mais.

-     Chega, dr. Ambrósio Pacheco de Almeida Júnior.