Respeitem o voto. Respeitem o cidadão |
Eleitos pelo
concurso contra os eleitos pelo voto
Savonarola
&
Os profetas desarmados*
“Todo
poder emana do povo e em seu nome será exercido”.
Esta
é a base da representação popular e constitui um marco no constitucionalismo
dos países que optaram pela prática democrática de eleger os representantes do
povo pelo voto.
Assim, cada cidadão um voto.
Há
agora um entendimento perigoso e complexo em que, na evolução das instituições
democráticas, em que aquele princípio constitucional foi substituído por uma
outro, ainda não totalmente formulado e nem absorvido pelas constituições em
que se supõe que “todo poder emana do
concurso público e em seu mandato será exercido”.
São os eleitos por
concurso público.
Extrai-se
esta conclusão quando se compara as atividades dos políticos eleitos e que,
periodicamente, se submetem ao mais categórico dos julgamentos, o julgamento
das urnas, com a atual performance dos titulares do Ministério Público,
profissionais da área do direito e que se tornam detentores de cargos públicos
através de concursos.
Nada
mais saudável e uma demonstração de que o País caminha para o aperfeiçoamento
de suas instituições do que garantir aos promotores, aos fiscais da lei, que
possam exerceu sua atividade sem depender de nomeações e apadrinhamentos, como
acontecia antes da Constituição Cidadã de 1988. Uma senhora e respeitável
evolução.
Vejamos
agora a realidade hoje: os promotores se espalham com autoridade por todo o
País e, show à parte, dão demonstrações de competência, seriedade e bravura em
inúmeros processos. Já se tornam muitos deles, jovens promotores, em razão
fundamentada de orgulho nacional.
Os políticos são
fiscalizados pelo eleitor (voto).
Responda
sem pensar em corregedorias e em outras formas de auto-regulação que gesta o
espírito de corpo:
- Quem fiscaliza os
promotores?
- Ninguém.
Há
quem pensa que, nos moldes dos países mais avançados, os promotores, assim como
os representantes do povo, deveriam ser eleitos pelo voto de seus cidadãos.
Os
filmes norte-americanos estão cansados de colocar carreira de promotores em
risco caso não desempenhem bem suas atividades.
Por
que não elegê-los?
Uma
emenda constitucional daria fim a muitos desmandos e riscos que já estão
fazendo parte do folclore político e jurídico nacional (e internacional, onde
somos objeto de chacota)..
Eleição
também não significa necessariamente a consagração do processo democrático.
Todos
sabem que eleições também são práticas capazes de manipulação, que vão desde a
compra de votos, a propaganda desleal e a adulteração de resultados, além de
outros golpes contra a vontade popular: como o abuso do poder econômico.
Com
todos estes obstáculos, o processo eleitoral ainda é melhor do que o concurso
público.
Já
imaginaram de nossos deputados e senadores fossem escolhidos por concurso
público.
Certamente,
não teríamos o Estado dos Melhores, nem dos Mais Capazes. Se assim o fosse, a
iniciativa privada já teria de muito aderido ao concurso para a escolha de seus
profissionais.
A
eficiência e a seriedade, o trabalho e a honestidade de um ator público devem
ser objeto de avaliação constante, permanente, dos cidadãos.
E
é bom que todos saibam: é o mais democrático dos julgamentos.
Na
Florença de Maquiavel, um monge fazia sua luta com discursos violentos contra
Roma e seus descalabros.
Savonarola,
o monge, comandou uma das mais impressionante resistência aos papas. Era um
fiscal das leis cristãs, um promotor duro e com discurso direto, denunciava em
seus sermões, a vida desregrada dos bispos de Roma, denunciava a imoralidade
dominante, a corrupção desenfreada.
Maquiavel
tudo observava e foi um dos florentinos que assistiu à execução de Savonarola
na praça dos Doge.
Mais
tarde, refletindo sobre aquele episódio, Maquiavel resumiu a situação a que
são, dramaticamente condenados todos aqueles que têm apenas o poder da palavra
e da lei: são profetas desarmados.
O
concurso público, no fundamental, desarma os nossos promotores. Como profetas
desarmados correm o risco calculado pelos oportunistas e falsos moralistas como
a maioria dos moralistas.
Eleições para que? |
14.9.2001
· * Editorial do
Diário de Sete Lagoas em setembro de 2001