quinta-feira, 22 de setembro de 2016

SEQUESTRO DO PODER DO VOTO




Respeitem o voto. Respeitem o cidadão




Eleitos pelo concurso contra os eleitos pelo voto



Savonarola 


Os profetas desarmados*




“Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”.

Esta é a base da representação popular e constitui um marco no constitucionalismo dos países que optaram pela prática democrática de eleger os representantes do povo pelo voto.

 Assim, cada cidadão um voto.

Há agora um entendimento perigoso e complexo em que, na evolução das instituições democráticas, em que aquele princípio constitucional foi substituído por uma outro, ainda não totalmente formulado e nem absorvido pelas constituições em que se supõe que “todo poder emana do concurso público e em seu mandato será exercido”.

São os eleitos por concurso público.

Extrai-se esta conclusão quando se compara as atividades dos políticos eleitos e que, periodicamente, se submetem ao mais categórico dos julgamentos, o julgamento das urnas, com a atual performance dos titulares do Ministério Público, profissionais da área do direito e que se tornam detentores de cargos públicos através de concursos.

Nada mais saudável e uma demonstração de que o País caminha para o aperfeiçoamento de suas instituições do que garantir aos promotores, aos fiscais da lei, que possam exerceu sua atividade sem depender de nomeações e apadrinhamentos, como acontecia antes da Constituição Cidadã de 1988. Uma senhora e respeitável evolução.

Vejamos agora a realidade hoje: os promotores se espalham com autoridade por todo o País e, show à parte, dão demonstrações de competência, seriedade e bravura em inúmeros processos. Já se tornam muitos deles, jovens promotores, em razão fundamentada de orgulho nacional.

Os políticos são fiscalizados pelo eleitor (voto).

Responda sem pensar em corregedorias e em outras formas de auto-regulação que gesta o espírito de corpo:

- Quem fiscaliza os promotores?

- Ninguém.

Há quem pensa que, nos moldes dos países mais avançados, os promotores, assim como os representantes do povo, deveriam ser eleitos pelo voto de seus cidadãos.

Os filmes norte-americanos estão cansados de colocar carreira de promotores em risco caso não desempenhem bem suas atividades.

Por que não elegê-los?

Uma emenda constitucional daria fim a muitos desmandos e riscos que já estão fazendo parte do folclore político e jurídico nacional (e internacional, onde somos objeto de chacota)..
Eleição também não significa necessariamente a consagração do processo democrático.

Todos sabem que eleições também são práticas capazes de manipulação, que vão desde a compra de votos, a propaganda desleal e a adulteração de resultados, além de outros golpes contra a vontade popular: como o abuso do poder econômico.

Com todos estes obstáculos, o processo eleitoral ainda é melhor do que o concurso público.

Já imaginaram de nossos deputados e senadores fossem escolhidos por concurso público.
Certamente, não teríamos o Estado dos Melhores, nem dos Mais Capazes. Se assim o fosse, a iniciativa privada já teria de muito aderido ao concurso para a escolha de seus profissionais.

A eficiência e a seriedade, o trabalho e a honestidade de um ator público devem ser objeto de avaliação constante, permanente, dos cidadãos.

E é bom que todos saibam: é o mais democrático dos julgamentos.

Na Florença de Maquiavel, um monge fazia sua luta com discursos violentos contra Roma e seus descalabros.

Savonarola, o monge, comandou uma das mais impressionante resistência aos papas. Era um fiscal das leis cristãs, um promotor duro e com discurso direto, denunciava em seus sermões, a vida desregrada dos bispos de Roma, denunciava a imoralidade dominante, a corrupção desenfreada.

Maquiavel tudo observava e foi um dos florentinos que assistiu à execução de Savonarola na praça dos Doge.

Mais tarde, refletindo sobre aquele episódio, Maquiavel resumiu a situação a que são, dramaticamente condenados todos aqueles que têm apenas o poder da palavra e da lei:  são profetas desarmados.

O concurso público, no fundamental, desarma os nossos promotores. Como profetas desarmados correm o risco calculado pelos oportunistas e falsos moralistas como a maioria dos moralistas.





Eleições para que?



14.9.2001
 




·         * Editorial do Diário de Sete Lagoas em setembro de 2001