RUMO AO INFINITO PASSADO
Onde Valente amarrou sua égua
Alejandro
Paco Hernandez
A duração pura
O homem aprendeu a brincar de esconder, era o
esconderijo dos ladrões, depois o homem aprendeu a arte do disfarce. Vestia-se,
era a aparência. Depois o homem aprendeu a falar. Nasce o homem que vive de
esconder-se. Qualquer bobeira e, o homem deixar-se apanhar, é o fim.
Tudo cai, tudo rui, o homem vira bagaço. Lançam-no
no monturo, no meio do lixo que são todos os outros que se deixaram ver
totalmente.
Um homem quis viver em cinco anos a vida mais
completa que um homem pudesse ter e depois, de ter amada bastante as mulheres e
de ter escrito uma frase, podia, então, revelar-se, apagar-se, ser luz um
segundo e novamente ser o que é, escuridão.
Este homem viveu cinco anos como quis e escreve
uma frase, uma única frase, tornou-se luz e apagou-se, voltou a ser escuridão.
Na escuridão que era escapou-lhe a duvida... teria vivido? ... a vida é regrada pela dúvida, mais ou menos
dúvidas e se se pode dizer que a sabedoria de um homem é mensurável.
A palavra é um disfarce, acredita Valente.
Suas lembranças, seu passado instável. Até
ontem, acreditava ter agido com precisão no caso de Marisa, sua primeira mulher.
Agora percebia que tinha sido peça de manobra na
mão das pessoas imorais, carregadas de preconceitos e de mulheres ridículas
como a fresca Heloisa e a astróloga Dois-Maridos.
Valente lembrou das tardes nos morros gramados,
acompanhando o voo dos pássaros, dos pardais esquentando sol, dos papagaios de
papel de seda vermelhos, amarelos, tricolor, preto e branco, alaranjado, de um
verde tirado do chão gramado e oferecido ao azul do céu.
Dos morros onde passava horas vendo a estrada de
acesso à cidade. Lá no fundo, as casas das mulheres. O rio dando nós na
estrada. A casca de arroz amontoada na margem do rio pela Cia de
Beneficiamento, que com festas e discursos passou a ser a Cooperativa do Rio.
As brincadeiras sobre as cascas de arroz.
O irmão de Celso, agora com vinte e dois anos,
quando era garoto afundou no deposito de casca de arroz. Queimou-se e ficou
fisicamente inútil. Nunca em nenhum momento aqueles meninos suspeitaram do
perigo em volta. Continuaram arriscando, muitas vezes. Nem sempre iam atrás do
perigo sem saber o risco corrido
Iam para o rio nas épocas de enchente, as
margens escorregadias, barrancos sendo arrancados no trabalho de erosão feito
pelas águas de fevereiro.
Os meninos enfrentavam a água dos rios
violentos, as corredeiras, dez, vinte metros de quedas ininterruptas, quedas
mortais. Brincando de esconde-esconde você pode conseguir uma menina.
Ruim é quando o homem tem de esconder-se em
troca da sobrevivência, viver com um homem que não existe, ser e não ser
cidadão, ser um gravador de palavras permitidas.
Ruim quando o homem senta na maquina e escreve.
Escreve para destruir as letras, as palavras, os
conceitos, as imagens e a própria vida.
Ali acompanha e é cúmplice das pilantragens de
Arthur. Ou, então, seria ele, Valente, o pilantra?
Com o microfone na mão, Valente entrevistava
para a rádio PKW o chefe da empresa de minérios. O aeroporto silencioso, a
noite clara, Valente e o homem redondo caminham pela pista enquanto se preparam
para a entrevista.
Chamaram Arthur. Era um furo. Arthur no
aparecera. Chegaria atrasado. Valente o via do outro lado, procurando-o no
restaurante do aeroporto. O almoço que Isa oferecera aos seus amigos no dia do
aniversário de casamento. Isa bebera tanto que no outro dia não pôde ir
trabalhar, e perdera o emprego. Bibinho chorou com medo de mamãe estar
doente.
*
Paco caminhou para a praia e depois começou a
contornar o parque Rodo. Pensava. Pensava nela e em Arthur. Em dar uma lição
naquele espertinho. Mostrar-lhe quem ele era. Ele, Paco Hernandez. Eu, Paco
Hernandez... vou ao encontro de Arthur,
peço-lhe uma conversa reservada, de cara a cara lhe direi o que ele é, um
ladrão safado. Seu ladrão safado não quero brigar com você, mas da próxima vez
que atravessar meu caminho, eu vou arrebentar-lhe todo, da próxima vez, não lhe
darei chance de erguer um ai.
Paco pensava nos detalhes do que tinha vontade
de fazer com Arthur. Encher aquela cara de pancada. Esmagar aquele velhaco. Viu
a cara de Arthur toda fodida. Viu Arthur estendido no chão. Morto? Não.
Estendido no chão.
– Ele está morto, dir-lhe-iam.
Morto? Deve ter batido a cabeça no chão.
– Bateu a cabeça naquela quina. Não devia matar,
matar ninguém. Conheci o filho da puta hoje. Hoje. Ele chegou aqui hoje e já
correu esse risco. Foi ele quem levou o carro. Poxa, eu também estava dando
muito em cima da mulher dele. Ela já era dele. Banquei o idiota. Dar um tiro na
cara daquele puto. Agora, um acidente. A mulher dele uma hora dessas está
rindo. Que idiota eu sou! Dar um tiro... não! Me foder por tão pouco? Não. Eu
espero. Um dia é da caça. Pilantragem com pilantragem se paga. Rotina de
negocio.
*
Haviam passado três anos que se conheciam,
quando Valente e Isa decidiram casar-se. Roberto, o filho do casal fez um ano
dois dias antes do casamento, o aniversário foi mais comemorado do que o
casamento, ao qual de conhecidos só tiveram os dois. Bibinho era o apelido que
Dona Vera colocou em Roberto.
Isa trabalhava no seu atelier quando entrou o
repórter, meia hora antes da hora marcada para a entrevista. Não trouxe fotógrafo.
Escutava-se apenas o arrastar dos chinelos de Isabel, a escultora.
Isa viu entrar aquele moço magro de mãos
enormes.
Mãos sujas, a escultora voltou-se, tentou sorrir.
E sorriu para Valente. A roupa suja. O rosto com algumas riscas na testa.
Parecia criança brincando com carvão branco. Valente quis rir, e riu.
Sentou-se em silêncio. Fez um sinal para a
escultora.
– Que prosseguisse.
Isa trabalhava com mãos ágeis, o estilete não
fazia barulho, cortava a pedra tocando um ritmo musical. Castelnuovo.
Enquanto movimentavam-se, aqueles braços finos e
brancos tinham a calma dos escultores das grandes pedras negras. Ela não se
incomodava com a presença de estranhos. Até gostava. Agora tinha ali um homem a
olhá-la. Era a notícia da próxima exposição. Sentiu-se como quando Meireles
estava silencioso ao seu lado.
Irritou-se ao ver o repórter lendo uma revista,
mas simpatizou-se com sua face tranquila e comum.
Depois da entrevista, sem saber como, haviam
combinado vários encontros. Foram à galeria, acompanharam os trabalhos dos
organizadores da exposição, estiveram juntos com os fotógrafos.
À noite pareciam terem sido íntimos em outros
instantes. Instantes nebulosos, isolados. Sempre depois do nevoeiro se pode ver
com nitidez que não há nenhum morro naquela planície.
Nos três anos seguintes construíram novos
momentos, todos estes nítidos pela identificação dos dois, assim viveram três
anos.
Apanhava-a para almoçar e passar os fins de
semana em seu apartamento ou na casa de praia que Valente não quis deixá-la
decorar de maneira nenhuma. A única briga foi por causa da decoração da casa da
praia.
Contra a paralisação artificial dos objetos. Os
lugares determinados para cada coisa, as visões espaciais, os jogos de cores
artificiais.
Um dia, depois destes três anos, separaram-se
definitivamente. Ele não queria nada nos seus lugares... De vez em quando Isa
aparecia no apartamento e depois de dois, três dias, nunca mais de uma semana,
ela arrumava as malas e sumia.
Roberto, o Bibinho, passava dois meses por ano com Valente.
Roberto fizera quatro anos em companhia do pai. Um dia antes rasgara quase toda
uma prateleira de papeis brancos e o fichário.
Valente chamou a mulher que tomava conta de
Roberto.
– Dona Vera o que houve? A partir deste momento
tome conta do menino, se não estiver em condições contrate uma outra pessoa
para ficar apenas com o garoto. Não se preocupa com os papéis, já foram
destruídos. Não há lamentações. Não quero é que ocorra novamente. Para o menino
aquilo fora uma brincadeira com o paizão.
Dona Vera observava aquele pai. Em cartas para
dona Isa insinuiava que ele teria sido cúmplice de Roberto na destruição dos
papéis. “Não educava. Não fazia do filho um homem educado, fazia um monstros orgulhoso e insubordinado”.
Roberto parecia esculpido pela mãe. Ela modelava
aquele menino, fazia o retrato dos dois. Roberto era muito mais ela. No rosto
tudo era a beleza de Isa, o rosto magro e limpo. Ele agora talvez pudesse
avaliar a amizade de Isa. Roberto era ágil e alegre, um pouco reservado, dele
nascera uma linguagem familiar. Depois que Roberto voltava para Isa, Valente
corria todo o apartamento, examinava cada lugar em que o menino estivera. A máquina
de escrever tinha sempre que ser mandada para o conserto. O resto era para o
lixo.
*
Valente jogou o telegrama sobre um livro. Que
telegrama é este? Perguntou Sheila.
“Roberto morreu ontem... desastre...”
Uma notícia, mulher. Uma noticia igual àquela do
Vietnã. Tantos americanos mortos, tantos viets mortos. Sabe o que isto
significa?
Morte. A morte de um homem, de um cidadão, uma
pessoa que tem pais, que tem irmãos. Não, esta não era do Vietnã. Era uma
noticia de casa. Desejam que eu alcance êxito nos negócios, nos próximos
trabalhos e perguntam por que eu não entroso com o negócio de
importação/exportação?
Eu também me pergunto, mas é porque eu não
entendo nada disso, e estou cansado. Acho que vou parar de beber deste
conhaque. De quem é a carta? De uma mamãe. Carta, não. Telegrama.
Sheila nua, deitada de bruços. Virou-se. No
quarto do lado estavam Arthur e Mary. Eles faziam uma bagunça e muito barulho.
Valente passou. A porta aberta. Viu Arthur com o vestido de Mary e os dois choravam de
rir.
De manhã cedo, lá fora amanhecera havia duas
horas, Lourdes chegou como todos os dias, abriu a porta, apanhou a lata de lixo
e entrou. Bateu na porta do quarto de Valente.
– Com licença doutor. Veio a resposta
– Entre.
- Como está escuro isto aqui, a casa parece de
pernas para o ar. Quem veio? Teve festa? Posso acender a luz seu Valente? Meu
deus... Oh!
A luz iluminou Sheila. Valente cavalgava em
Sheila.
- Oh! Repetiu Lourdes com a pressão a zero.
Lourdes balbuciava palavras ininteligíveis, ficou vermelha, a pressão voltara
ao normal.
- Que vergonha! A porta fechou-se, a luz
apagou-se novamente. Sheila disse que era gostoso. Sheila tremia e os seus
lábios gelavam-se e dissolviam-se na boca de Valente.
*
A duração pura seria a junção do passado ao
presente. Para isto precisar-se-ia de uma nova linguagem.
Valente
Isa
Arthur
Paco
Sheila Mary
Roberto
D Vera
Linhares Juiz de Fora 9/12/72
Adiante! Em marcha! Desanuviemos nossa
fronte; identifiquemo-nos com a vida, com seu tumulto e seus guizos e vejamos o
que faz Chichicov.
Do poema em prosa de Nicolai V Gogol.
Levantou o olhar e surpreendeu-se com a presença
de Gregório. Gestos calmos e um cérebro funcionando interpretam a cena seguinte
desenrolada na sala ao lado.
- Vá embora, aqui é perigos – disse Regina.
Um instante fora do tempo
- Hoje, cara Regina, minha presença é perigosa
em qualquer lugar. Aqui e ali. O perigo é todo meu. Deixe-me em paz. Eu sei
onde piso.
Gregório foge, sua fuga é também uma rebelião
como a outra que o levou a tornar-se um perseguido.
Regina, a doce senhora de olhos vazios. Regina,
a senhora atenciosa. O destino marca frente aos dois seu fim
O amor é obra do destino?
Regina esperava, Gregório ia falar.
- Regina...
Ninguém mais existe. O mundo é um denso nevoeiro
de opala. Compreendem-se os instintos também, pacas!
O táxi para em frente ao numero.
O porteiro reconhece Regina. A casa da outra
tia, camas beliche. Uma loura desce da parte superior do beliche como um
jacaré.
Os lençóis são cor de rosa.
Numa placa de madeira uma pessoa desenha vários
tipos de letras para o cartaz Cuidado quando menos se espera...
Regina e Gregório entram num palco colorido.
José e Antônia tiveram outros filhos. Muitos foram os anos em que puderam viver
felizes.
Eram três os filhos, Paulo, Jane e Andréia.
O autor que escreveu esta historia pela primeira
vez quis insinuar um caso de incesto, como ele deixou a história vaga, também
passo por cima.
Todos concordam em dizer que Paulo tem os mesmos
traços e o mesmo jeito, as mesmas manias e o mesmo pensamento do pai. E isto
era verdade. Mudava nos dois apenas o tempo.
Paulo conheceu um amigo, Estevão, com quem se
ligou até que médicos comprovaram o estado de loucura de Estevão e o internaram
definitivamente em um sanatório.
Vão, Estevão, foge do manicômio. Paulo dá-lhe
cobertura contra as decisões do pai. Paulo patrocina a fuga de Estevão. Tempos
depois a família leu no jornal a morte de Estevão. Assassinado por um bêbado.
EU SOU A HUMANIDADE
Se caso você coisa, aí plá.
Fazer nova reportagem sobre a morte de Estevão.
Quando dois jovens supõem-se escondidos na sala
de visitas, pelo espelho da copa pode ter uma mulher vigiando gestos e abraços
e em outro cômodo uma menina ranzinza que quer gravar tudo o que a irmã disser.
À noite as duas tentarão ouvir as palavras captadas. O som não estará bom, mas
a ranzinza imaginará as palavras verossímeis para aqueles momentos.
A mulher que vigia pelo espelho queria uma
maquina fotográfica, aquilo era um absurdo, ora indagarão os mais razoáveis,
por que a velha mulher que vigia afirma que um casal beijar é absurdo. Responderei,
um pouco com ironia, superior, superior, superior. Lembrando os tempos dela,
naqueles tempos em que um beijo não chegava a ser tão libidinoso, veja o casal,
a língua da moça parece que está escovando as bochechas do rapaz, e as mãos,
onde andam as mãos?
Lógico, naqueles tempos dela, não existiam essas
coisas, mas por ela não se pode medir nada.
Trata-se de dona Adélia, nunca casou, nunca teve
paixões que não fracassassem antes de qualquer sonho pelas lembranças
perturbadoras da vida dos santos e das santas, mulheres e heroínas em defesa da
pureza.
A menina que escova os dentes do namorado com a
língua chama-se Antonia.
Ela certamente dissera muitas vezes a José
declarações caretas como estas de José eu te amo. Com certeza, exclamara “Oh!” Murmurara o nome dela, quase respirando as
silabas, os fonemas explodindo an-tô-nia.
Talvez ele tenha completado com uma alusão à posse amorosa, tipo tumepertences.
Mesmo quando o amor começa, mesmo quando o amor
é puro, a espécie sempre se faz presente para nos lembrar do importante, contra
a parede da sala brincava um grupo de crianças. Mais tarde, elas entrarão nesta
mesma sala, beijar-se-ão com mais ou menos calor e repetirão novamente as emoções, os tatos e as
palavras.
A casa era um barracão inacabado e pertencia a
uma mulher gorda, e como todas as gordas era uma mulher alegre, dona Sinhá era
metódica, quanto a isto eu não sei se todas as gordas são.
Dona Sinhá todas as tardes chegava em casa às 14
horas em ponto, isto com o lotação no horário.
Antonia pergunta à empregada quantas horas eram
e a empregada responde como se tivesse alertando o casal para algum perigo.
O caso é que a empregada não conhecia aquele
lado folgazão e de cupido da mulher gorda que a redondeza tratava de “A boa dona
Sinhá”. A empregada aqui também não conseguia compreender porque chamavam de
boa àquela mulher sempre a xingar os humildes.
José não conhecia dona Sinhá, um autor ao se
referir àquela mulher havia dito que ela era uma mulher sagaz, provando disto,
Dona Sinhá depois das apresentações, buscou um pano e estendeu sobre o banco,
dizendo para que tornasse o banco um lugar mais convidativo para o amor.
Antônia se delicia com outras brincadeiras eróticas da boa Sinhá.
Antonia repete para José pela décima e uma
porção de vezes que Dona Sinhá é amiga de sua, dela, mãe.
- As duas quando moravam em Montes Claros,
sempre que se encontravam passavam noites juntas falando da vida dos outros. Nunca
conseguirão reunir novamente duas fofoqueiras como elas. Falam até de mim.
O casamento do jovem casal, marcado para o final
do ano, a todo momento, salvava qualquer falta de assunto.
Antonia gostava de dizer que o que unia os dois
era a compreensão e se referia sem cessar à jovialidade do seu parceiro.
Depois que uma visita se despede, muitas vezes
se ela soubesse das observações feitas pelos anfitriões após beijinhos e
lembranças às crianças raramente aconteceria esta ligação social tão útil para
as pessoas e para as nossas neuroses.
O que aquela empregada comentou com Dona Sinhá?
Vejamos, antes que o casal se despedisse ela
saia do seu posto de observação e veio espreitar de perto, caçava sinais
invisíveis do mais audacioso carinho, arrepiava-se a cada pedaço de pano
amarrotado, fixou os olhos na braguilha do rapaz e quase foi surpreendida ao
lançar uma exclamação estúpida de horror.
Várias vezes, repetira para dona Sinhá “Eu vi tudo, eu vi
tudo donha
Sinhá”.
Dona Sinh, como qualquer um de nós, ao ouvir uma
pessoa dizer, assim superficialmente, uma frase como esta, nunca acertaria com
o que se passava no cérebro da empregada. Como são as imagens e os seus
significados!
Um escritor romântico vendo o casal se retirando
do barracão, ajuntaria algo como isto.
Tinham os jovens o seu destino e eles o
seguiram.
Os leitores românticos no prolongamento de um
suspiro interpretativo, eles são férteis, imaginarão uma vida.
O que o autor na verdade quis dizer que o
destino do casal era se deslocar de um lugar para outro, ir da casa de dona
Sinhá para a casa da família de Antônia. No caminho passariam pela praça de árvores
frondosas, que o poeta do busto no parque, e também prefeito em seu tempo,
chamou de árvores geradas pelas mãos antepassadas.
Não reservo para os meus personagens, a vida
aventurosa de um cavaleiro da triste figura, nem a seguir a boemia nas zonas
dos trópicos, contudo faço questão de que meus personagens sejam homens
inteligentes.
Quem seria capaz de escrever sobre um homem
inteligente? Um outro mais inteligente ainda? Concordam comigo? José é filho de
boa família, gente ligada à terra. Escreveu um sistema que qualificou de novo.
Trata-se de um sistema de interpretação do mundo (pretensão). Eu me orgulho que
ele o tenha desenvolvido. Por honra da firma para honra da firma. Sincero com
os meus leitores, rigoroso com o José, confesso que diante de umas simples e
estúpidas dificuldades, José abandonou seu novo e notabilíssimo sistema ao
atingir a oitava parte do nono capitulo.
O fichário preparado com alguma orientação
minha, orientação solicitada por ele, um dos motivos de orgulho para mim, mais
tarde eu direi aos meus netos, eu indiquei Montaigne e Sócrates, Aristóteles e
Marx, para a formação do nosso sábio José Décimo Sexto Alexandrino.
Meu filósofo era um sujeito simples e calado,
sua timidez era mais covardia do que qualquer outra coisa. Timidez é que não
era.
Como todos os homens ignorantes, no começo, José
trazia absolutas afirmações, absolutas convicções bordadas dentro da sua
cachola. Era um sábio que sabia demais e que sabia que sabia demais. Mal dos
sábios idiotas. Quem sabe demais só pode conversar com um igual. Como não
existe um outro igual, a pessoa torna-se casmurra, solitária, finalmente isolada,
depois fanática. Num ciclo tumbalístico, volta á estupidez. Atinge a
glorificação, torna-se um monstro, um erudito. Assim nasce um erudito, garantia
o velho Titão pai do Titinho.
Em certo trecho de suas convictas assertivas,
José Alexandrino, assim vamos chamá-lo ao nos referir ao filosofo, escreveu que
o pensamento humano sitiado pela sociedade no mundo virtual e físico perdia seus
ilimitados espaços de investigação, atrofia-se e torna-se um pensamento marcado
por fronteiras. A sociedade hoje torna a mente humana, uma mente escrava.
Subjugada pelo volume horroroso de informações.
Seguia-se uma serie de exemplos de comportamento
humano demonstrando a todos nós que o homem não tinha o pensamento livre. O
pensamento do homem era controlado.
Os rebeldes eram dominados pelas necessidades de
sobrevivência.
Em muitas destas mentes não mais existia traços
da anterior rebeldia. Outros explicavam a rebeldia como uma fase de
integração.
O casamento atua como o mais; eficaz veiculo de
dominação dos rebeldes. Assim pensava José Alexandrino, filósofo, homem
inteligente e personagem da nossa historia que pretende tornar agradável à
noite dos amigos do escritor.
Outros fatos irão se suceder, novas emoções
surgirão, mais daquelas emoções intelectualizadas.
O que sucederá na próxima fase da evolução dos
pensamentos no nosso filosofo?
Sem música, sem sensacionalismo, sem surpresas,
porque se vocês não soubessem o que iria acontecer, não teria interesse esta
aventura intelectual.
Por isso, não dou físico ao personagem. Não é
bonito nem feio, seu nariz não é maior do que o nosso, nem suas roupas são
feitas por outro costureiro que não o nosso.
José casou com Antônia. Isto há muito tempo, foi
logo depois daquela noite.
Noite? Isto não importa. É o que de menos.
Se eu fosse poeta, agora faria um poema, sem
rima, sem métrica, tentando a inútil harmonia dos sons escritos e dos sons da
memória, para falar de José, um homem trabalhador, preocupado com o bem estar
da mulher e do futuro, isto mesmo, do futuro rebento.
Desperto e atento, atarefado e inventivo, José
se entregou de unhas e muita imaginação na caça ao seu interesse.
Excelente orador, virtuoso escritor (havia um
passado de pensador) defendia com honra – lembrai-vos dos homens honrados
amigos de Marco Antônio – os bolsos da grande companhia.
Como todas as esposas nas primícias, Antônia –
os bolsos da grande companhia. Como todas as esposas nas primícias, Antônia era
grande companhia. Como todas as esposas nas primícias, Antônia era grande
companhia. Como todas as esposas nas primícias, Antônia era adorável, amiga,
quantos bons conselhos eram despejados por noite nos ouvidos sempre
escancarados de José. Companheira, ela não deixava José reclamar nada sobre
roupa e alimento, ele tinha tudo nas mãos e os sapatos nos pés.
Escolheram uma cidade á beira mar. Escolheram
uma casa que mais parecia uma planta que nunca saiu da mesa do arquiteto. Escolheram
uma vista de cartão postal em frente a casa, arrumaram o que tinham que
arrumar, amontoaram o que deviam, rasgaram muitos papéis, entre estes seus
primeiros pensamentos e escritos filosóficos.
Do jeito sensato dos casais práticos desabaram
na cidade eleita. Na praia escolhida.
Os escritos filosóficos ficaram no chão até que
uma menina contratada para a limpeza da casa jogou no fogo aqueles pedaços de
papel. Assim, José encerrou sua fase de relacionamento com a sabedoria humana e
foi ser homem, marido e pai de família.
Seis horas da manhã, o padeiro ouvia a
respiração olímpica de José, cumprindo instruções do Atlas, para ter um físico
ideal. Às dez horas, José ouvia o diretor da companhia, doutor e deputado. Discutiam
(José mais ouvia porque o deputado e doutor sabia tudo e era o dono do negócio)
alguns problemas da companhia. Pouco mais de meio dia, Antônia sentava na
cadeira de vime e esperava pelo marido.
Do meio da papelada, José surgia com uma
surpresa para a esposa, uma rosa ou um doce.
Antônia preferia os doces, principalmente os de
chocolate. À tarde José continuava uma interminável pesquisa sob os olhares
ignorantes de Antônia.
O que Antonia pensava? Por que eram ignorantes
os olhares de Antônia?
Ah! Estas mulheres infelizmente não compreendem
os trabalhos intelectuais, ainda nas primeiras fases alegres do casamento.
Um dia aquilo arrebentou, nasceu uma criança
incrivelmente feia.
A parteira, os amigos, os compadres, as
cunhadas, esta gente que invariavelmente cerca um casal não esqueciam de
elogiar a beleza da criança.
José não entendia, o eu também, o que havia de
demais em ver a feiura da criança ou reconhecer que uma criança pode nascer
feia. Lógico que com o tempo, a meninice, a infância, a adolescência, a criança
se transformaria, possivelmente seria uma bela criança, mas por que não dizer
que a criança era feia?
Um dia José se surpreendeu dizendo que a criança
era a coisa mais linda do mundo.
- Pois? Conforme exclama e interroga o Álvaro
filho dos Lemos.
A mãe de José entra em cena. Esteve ao lado da
nora naqueles dias e nos outros também.
José tornou-se emotivo ao imaginar as dores do
parto. A mãe aconselha-o a dar uma volta. Os amigos ao toparem José, na sala de
visitas do hospital, aconselham-no a não abandonar a trincheira ao lado da
esposa. E agora?
José seguiu rumo ao mar, ia sozinho e pensava na
felicidade sem saber se era feliz. Perdoem-me os intelectuais, abramos as
pernas ao romantismo. José caminhava na areia e a areia entrava em seus
sapatos. Um incomodo, decerto. Mas os românticos não sentem, melhor sentem
tanto que não sentem nada.
Havia necessidade de silencio naquele momento, e
de fato fazia silencio, também eram oito horas da noite.
José voltou a ser filósofo, é assim que tratam
quem se propõe a pensar. Assim terminaremos com um breve descanso este
capitulo. Antes de mais nada, devo dizer sobre o que filosofava o nosso
desamparado e ausente, José, pensava do nascer, no mistério do nascimento de um
ser humano, da espécie humana, na colossal tragédia humana. Tudo para nada.
Hoje, pensa caminhando aquele que ontem
caminhando pensava, assim volta Jose à sua antiga morada: o pensamento. Agora
na praia, na areia, frente ao mar oceano. De que adianta aquele azul que vejo,
aquele castanho das árvores, aquele branco, aquele céu perdido seu para os
homens senti-los.
Necessitam que outros homens, os fitas, mostrem-lhes
a poesia do azul e da árvore? José novamente voltou a se preocupar com a
liberdade de pensamento. A areia sujou-lhe as barras da calça e foi por isso
que ele voltou para casa.
Tendo que nos defrontarmos com um problema, o
nosso gênio, quase sempre não nos permite examinar mais de duas opções,
radicalizamos, isto ou aquilo e pronto, metemos os beiços.
José não fez outra coisa. Estava ali na praia,
tudo era atraente. Teria que optar entre voltar para casa ou continuar na sua
caminhada pela areia úmida.
Continuou na areia. Vez ou outra percebia a
macieza ou então a atração da areia ao abocanhar os sapatos.
Nosso personagem, o José, conforme pudemos
observar atravessou uma crise difícil. Romantismo não se cura com pílulas.
Agora, sabemos que ele está pensando, sonhando.
Nosso personagem cria em sua mente um novo personagem - é ele mesmo. As
características físicas, mesmo vagas, não parecem com o mesmo José que caminha
na areia e aquele que ele coloca voltando para a casa.
José descreve a casa do seu personagem como uma
casa grande, colocou-a n mesmo lugar onde está a sua, aumentou os cômodos, à
cozinha que era deveras muito pequena, ele ajuntou mais uns três metros
quadrados, a casa surgia em sua mente como a casa que ele imaginou comprar,
como o dinheiro não deu fez modificações na planta.
O personagem criado por José volta para a sua
casa, entra e encontra com um amigo que lhe comunica o seu (dela, o amigo)
noivado.
José ficaria surpreso, este José é o José
personagem criado por José.
O amigo fala de uma viagem, que a noiva espera-o
na estação, fala em não pensar, agradece a hospitalidade.
Depois José encontra com os pais, preocupados, felizes,
alegres com o nascimento do primeiro neto. Apareceram, ali, uma semana antes do
nascimento.
Falam de outros nascimentos – assunto que pauta
estes momentos – lembram também do dia em que nasceu José.
José traz um pacote, nem ele mesmo sabe como
este pacote apareceu em sua mão.
É um pacote de doces, chocolates e guloseimas. Isto
ele sabe porque o seu personagem sente o peso, porque o seu velho pai se
adianta para segurá-lo.
José agradece.