A invenção e a
falsificação
Um país sem fim
Ignácio Henriques
1.
Qualquer um que afirmar, hoje, agora, que o Brasil não existe, não
será ouvido.
A afirmativa da negação não entrará na cabeça de ninguém.
Não há lógica, pensarão.
Erradamente, pois só há lógica.
Surpresa? A surpresa seria outro estágio.
A surpresa é algo que de alguma forma se espera.
Apanhado de surpresa com um acontecimento ou com um fato ou com
uma afirmativa há sempre a hipótese de que o diferente poderia ter surgido,
isto é, se a afirmativa de que o Brasil não existe viesse a surpreender alguém,
isto significaria que de alguma forma há dúvidas, há controvérsias ou que
talvez possa ser.
A surpresa, então, seria algo no terreno da hipótese, algo em que
se busca indícios de verdade.
No fato político – a existência do Brasil, a existência de um país
– a hipótese da sua não existência deve responder a uma pesquisa cuja
metodologia seja de alguma forma aceita pela nomeada “comunidade científica”.
Aceitar-se-ia discutir a existência da alma desde que dentro de
critérios mínimos de cientificidade.
Assim como se aceitaria discutir a existência de deus.
2.
Ninguém mora no país, o cidadão
mora no município, afirmava, constantemente, ininterruptamente, em inúmeros
discursos, entrevistas e debates, o deputado e presidente da Câmara Federal,
presidente da Assembleia Constituinte que teria produzido, segundo ele, a
Constituição Cidadã, em 1988, o homem político Ulysses Guimarães.
Ninguém mora no que não existe,
ninguém mora no abstrato e o concreto é a sua casa, a sua rua, o seu bairro, a
sua cidade e, olhe lá, o seu município.
A partir daí, entra-se no campo da
pura abstração: o Estado, o País, a Nação, a Pátria.
Criações excepcionalmente
perigosas, pois jogam o homem comum no meio de construções intelectuais, na
maioria produzidas e/ou autorizadas pelos donos do poder.
Estas construções intelectuais como
as elaboradas pelos historiadores chegam sempre carregadas de questiúnculas
burocráticas-intelectuais que tornam evidentes o tamanho da mentira que impõem
a todos.
Uma das discussões que
exemplificam estes debates é a registrada sobre a cadeira de História do Brasil
ou História Universal travada nos séculos XIX e XX.
Existiria ou não uma história do
Brasil? Esta seria uma disciplina acadêmica?
Uma das últimas batalhas travadas
pelos intelectuais brasileiros a respeito da disciplina História do Brasil
ocorreu nas décadas de 30 e 40 do século XX.
Em 1931, o ministro da Cultura,
Francisco Campos, aboliu a cadeira de história do Brasil
(Pra que? Para que a história do
que não existe? Pra que a história do nada?).
Na década seguinte, a disciplina
História do Brasil é reimplantada. A partir daí os espaços dos historiadores
dedicados à pesquisa, à produção de textos, à literatura histórica e à academia
ganharam a garantia legal de sua sustentabilidade.
Inegavelmente, uma conquista para
um espaço de reflexão sobre fato político marcante – o que não significa
garantir a afirmativa de que aquilo existe, de que o objeto de estudo existe,
mas que se poderia de alguma forma fazer aproximações sobre este fenômeno
político denominado Brasil.
A produção que surge irá
revelando, em seus momentos marcantes, a construção de um monstro execrável, uma máquina de consumir gente, no entender de
Darcy Ribeiro, uma sociedade injusta, desumana e elitista – uma base
territorial de exploração de um povo, que, em todos os seus momentos de
resistência e de luta por uma vida digna, é massacrado, espoliado, enganado.
O que se revela é que não há um
país para o povo, mas uma empresa que, para se sustentar em sua riqueza,
mantém, progressivamente, milhões de pessoas sob o mais brutal controle e sobre
a mais impiedosa das misérias – a miséria de esperança.
Aqui, não há lugar para a
esperança.
Quando se usa a promessa e a
afirmativa da esperança se pratica o mais sórdido dos golpes – o golpe da ilusão.
Nesse jogo não há meio termo – ou
é ou não é.
Vivemos no país do Não É.
Primeiro, Não É um País
Segundo, o governo Não é um
Governo.
Terceiro, a escola Não É uma
Escola, é mais uma prisão na mais profunda ignorância, pois seus valores são valores
que sustentam a submissão e o conformismo, produzindo mentes domesticadas e
homens quase-homens.
Quarto, a economia Não É uma
Economia, é tão somente um exercício de controles para impedir que míseros
tostões escapem da riqueza dos donos do poder e seja devolvida ao povo que, em
primeiríssima instância, é efetivamente o dono dela.
Por aí vai, o país do Não É nunca
acaba de não ser.
Aqui, nem as famílias conseguem
ser famílias, não há hipótese para isto, não há possibilidade para isto.
Se ocorre uma destas hipóteses, analise o caso.
Tratar-se-á da exceção que comprovará a afirmativa da negação.