quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

A PARTIR DE DARCY





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A invenção e a falsificação

Um país sem fim


Ignácio Henriques







1.

 

Qualquer um que afirmar, hoje, agora, que o Brasil não existe, não será ouvido.

 

A afirmativa da negação não entrará na cabeça de ninguém.

 

Não há lógica, pensarão.

 

Erradamente, pois só há lógica.

 

Surpresa? A surpresa seria outro estágio.

 

A surpresa é algo que de alguma forma se espera.

 

Apanhado de surpresa com um acontecimento ou com um fato ou com uma afirmativa há sempre a hipótese de que o diferente poderia ter surgido, isto é, se a afirmativa de que o Brasil não existe viesse a surpreender alguém, isto significaria que de alguma forma há dúvidas, há controvérsias ou que talvez possa ser.

 

A surpresa, então, seria algo no terreno da hipótese, algo em que se busca indícios de verdade.

 

No fato político – a existência do Brasil, a existência de um país – a hipótese da sua não existência deve responder a uma pesquisa cuja metodologia seja de alguma forma aceita pela nomeada “comunidade científica”.

 

Aceitar-se-ia discutir a existência da alma desde que dentro de critérios mínimos de cientificidade.

 

Assim como se aceitaria discutir a existência de deus.



2.

Ninguém mora no país, o cidadão mora no município, afirmava, constantemente, ininterruptamente, em inúmeros discursos, entrevistas e debates, o deputado e presidente da Câmara Federal, presidente da Assembleia Constituinte que teria produzido, segundo ele, a Constituição Cidadã, em 1988, o homem político Ulysses Guimarães.

Ninguém mora no que não existe, ninguém mora no abstrato e o concreto é a sua casa, a sua rua, o seu bairro, a sua cidade e, olhe lá, o seu município.

A partir daí, entra-se no campo da pura abstração: o Estado, o País, a Nação, a Pátria.

Criações excepcionalmente perigosas, pois jogam o homem comum no meio de construções intelectuais, na maioria produzidas e/ou autorizadas pelos donos do poder.

Estas construções intelectuais como as elaboradas pelos historiadores chegam sempre carregadas de questiúnculas burocráticas-intelectuais que tornam evidentes o tamanho da mentira que impõem a todos.

Uma das discussões que exemplificam estes debates é a registrada sobre a cadeira de História do Brasil ou História Universal travada nos séculos XIX e XX.

Existiria ou não uma história do Brasil? Esta seria uma disciplina acadêmica?

Uma das últimas batalhas travadas pelos intelectuais brasileiros a respeito da disciplina História do Brasil ocorreu nas décadas de 30 e 40 do século XX.

Em 1931, o ministro da Cultura, Francisco Campos, aboliu a cadeira de história do Brasil

(Pra que? Para que a história do que não existe? Pra que a história do nada?).

Na década seguinte, a disciplina História do Brasil é reimplantada. A partir daí os espaços dos historiadores dedicados à pesquisa, à produção de textos, à literatura histórica e à academia ganharam a garantia legal de sua sustentabilidade.

Inegavelmente, uma conquista para um espaço de reflexão sobre fato político marcante – o que não significa garantir a afirmativa de que aquilo existe, de que o objeto de estudo existe, mas que se poderia de alguma forma fazer aproximações sobre este fenômeno político denominado Brasil.

A produção que surge irá revelando, em seus momentos marcantes, a construção de um monstro execrável, uma máquina de consumir gente, no entender de Darcy Ribeiro, uma sociedade injusta, desumana e elitista – uma base territorial de exploração de um povo, que, em todos os seus momentos de resistência e de luta por uma vida digna, é massacrado, espoliado, enganado.

O que se revela é que não há um país para o povo, mas uma empresa que, para se sustentar em sua riqueza, mantém, progressivamente, milhões de pessoas sob o mais brutal controle e sobre a mais impiedosa das misérias – a miséria de esperança.

Aqui, não há lugar para a esperança.

Quando se usa a promessa e a afirmativa da esperança se pratica o mais sórdido dos golpes – o golpe da ilusão.

Nesse jogo não há meio termo – ou é ou não é.

Vivemos no país do Não É.

Primeiro, Não É um País

Segundo, o governo Não é um Governo.

Terceiro, a escola Não É uma Escola, é mais uma prisão na mais profunda ignorância, pois seus valores são valores que sustentam a submissão e o conformismo, produzindo mentes domesticadas e homens quase-homens.

Quarto, a economia Não É uma Economia, é tão somente um exercício de controles para impedir que míseros tostões escapem da riqueza dos donos do poder e seja devolvida ao povo que, em primeiríssima instância, é efetivamente o dono dela.

Por aí vai, o país do Não É nunca acaba de não ser.

Aqui, nem as famílias conseguem ser famílias, não há hipótese para isto, não há possibilidade para isto.

 Se ocorre uma destas hipóteses, analise o caso. Tratar-se-á da exceção que comprovará a afirmativa da negação.