Uma história da aurora
J. P. QUETAL
No livro estão todas aquelas coisas ditadas pela memória
de homens que usaram seus prosamentos, usaram suas lembranças, recolheram
histórias, recolheram experiências e que mentiram muito também.
Disseram verdades também.
Marcaram e deixaram rastros nos pensamentos de outros
homens.
Estes são livros que podem ressumar a cadáveres de vinte
dias.
Insepultos no meio da estrada.
Livros podem expressar dores, mas nunca deixarão de ser a
expressão de insensatos que ousaram dizer, que tiveram a dor de abrir e mostrar
o peito ferido, suas chagas e deformações.
Os grandes momentos do homem.
Quem
é o sr. Wilse? Conheço eu o homem das auroras, senhor das autoridades?
De
um punhado de cadáveres surge o Titão de Atenas e eu me conserto para ouvir
melhor sua história.
E
Titão sobe alto e desaparece depois de ter, em lances dramáticos, contado
sonhos marcados por gotas de sangue.
A
mulher redonda e pequena com o rosto marcado por pedaços de sol e calculado por
sonhos, com manchas nos braços e que agasalha os seus 18 filhos e que grita
explosiva para que a Ventosa toda a sugue:
- Ainda estou viva para
defender meus filhos.
Nos
fundos da igreja dos padres-homens, os pastores da Agremiação Esportiva de Deus
formam o próximo time para o torneio.
Ela
vê no futuro seu filho morando em outro lugar. A cidade é outra, não tem as
mesmas ruas. Nem os mesmo ódios. É outra a avenida que desce para esta cidade.
Não.
Não e não.
Não
há mais necessidade de assaltar ou de ser assaltado ou de mudar de tempos em
tempos o itinerário da volta à noite.
Fora
do medo, fora do perigo, ela sabe que agora é impossível viver, por isso ela
quer soprar em todos eles a loucura de pensar em correr, de não enfrentar, de
entregar todo o dinheiro em troca da vida.
– É muito importante todos
nós acordarmos amanhã.
Ela
veste sua roupa podre, que explode em horas inesperadas.
Ela
reconhece na rua, o barbudo que torceu a verdade e ninguém sabe porque. Foi ele
quem disse que ela era mulher do Ambrósio.
Mentira,
brutal, cruel mentira.
Ambrósio
se foi marido, se foi seu homem um dia, foi provavelmente o pai de seu 14o
filho, aquele que é meio bobo. As orelhas dos dois são iguais, nada mais. Ela
matuta, mas afirma:
- O
Ambrósio nunca foi.
Ela,
então, resmunga como faz todas as mulheres ao acordarem de manhã, mesmo depois
de uma noite e de uma madrugada de loucas cavalgadas.
Tudo é mentira, tudo é
fantasia, tudo é triste. Menos a verdade.
Por
isso, ela pergunta ao porteiro, parado todos os dias, àquela hora no mesmo
lugar, onde é a saída.
Por
isso, ela toma um ônibus e é deixada de novo pelas mil e não sei quantas vezes
na Ventosa, onde o seu sangue escorre pelas poças junto com as merdas e com os
alimentos dos porcos e ratos.
Volta
os olhos e mais uma vez resmunga.
Mais
uma vez, assim como Titão de Atenas, vai tentar um grande banquete para todos
os amigos.
Mais
uma vez vai fechar os olhos e as cortinas do palco.