quinta-feira, 15 de março de 2018

A VERDADE É MULHER






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Uma história da aurora



J. P. QUETAL






No livro estão todas aquelas coisas ditadas pela memória de homens que usaram seus prosamentos, usaram suas lembranças, recolheram histórias, recolheram experiências e que mentiram muito também.

Disseram verdades também.

Marcaram e deixaram rastros nos pensamentos de outros homens.

Estes são livros que podem ressumar a cadáveres de vinte dias.

Insepultos no meio da estrada.

Livros podem expressar dores, mas nunca deixarão de ser a expressão de insensatos que ousaram dizer, que tiveram a dor de abrir e mostrar o peito ferido, suas chagas e deformações.

Os grandes momentos do homem.

Quem é o sr. Wilse? Conheço eu o homem das auroras, senhor das autoridades?

De um punhado de cadáveres surge o Titão de Atenas e eu me conserto para ouvir melhor sua história.

E Titão sobe alto e desaparece depois de ter, em lances dramáticos, contado sonhos marcados por gotas de sangue.

A mulher redonda e pequena com o rosto marcado por pedaços de sol e calculado por sonhos, com manchas nos braços e que agasalha os seus 18 filhos e que grita explosiva para que a Ventosa toda a sugue:

- Ainda estou viva para defender meus filhos.

Nos fundos da igreja dos padres-homens, os pastores da Agremiação Esportiva de Deus formam o próximo time para o torneio.

Ela vê no futuro seu filho morando em outro lugar. A cidade é outra, não tem as mesmas ruas. Nem os mesmo ódios. É outra a avenida que desce para esta cidade.

Não. Não e não.

Não há mais necessidade de assaltar ou de ser assaltado ou de mudar de tempos em tempos o itinerário da volta à noite.

Fora do medo, fora do perigo, ela sabe que agora é impossível viver, por isso ela quer soprar em todos eles a loucura de pensar em correr, de não enfrentar, de entregar todo o dinheiro em troca da vida.

– É muito importante todos nós acordarmos amanhã.

Ela veste sua roupa podre, que explode em horas inesperadas.

Ela reconhece na rua, o barbudo que torceu a verdade e ninguém sabe porque. Foi ele quem disse que ela era mulher do Ambrósio.

Mentira, brutal, cruel mentira.

Ambrósio se foi marido, se foi seu homem um dia, foi provavelmente o pai de seu 14o filho, aquele que é meio bobo. As orelhas dos dois são iguais, nada mais. Ela matuta, mas afirma:

- O Ambrósio nunca foi.

Ela, então, resmunga como faz todas as mulheres ao acordarem de manhã, mesmo depois de uma noite e de uma madrugada de loucas cavalgadas.

Tudo é mentira, tudo é fantasia, tudo é triste. Menos a verdade.

Por isso, ela pergunta ao porteiro, parado todos os dias, àquela hora no mesmo lugar, onde é a saída.

Por isso, ela toma um ônibus e é deixada de novo pelas mil e não sei quantas vezes na Ventosa, onde o seu sangue escorre pelas poças junto com as merdas e com os alimentos dos porcos e ratos.

Volta os olhos e mais uma vez resmunga.

Mais uma vez, assim como Titão de Atenas, vai tentar um grande banquete para todos os amigos.

Mais uma vez vai fechar os olhos e as cortinas do palco.