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Capturada
Yuri
de Almeida Bastos
I
Conheço
Maria tão pouco
E louco não me basto
Quero saber dos seios de Maria
Alegrias sentidas
Depositadas em algum baú velho
baú perdido, chave perdida.
II
Anda Maria na Serra?
Anda vestida seu corpo verde?
Anda no sábado talvez amarelo,
Talvez novembro,
Talvez setembro,
Talvez anda deitada dando
(ou em pé como gosta)
III
Preciso saber quem é Maria
se lhe pertencem o portão, a escada, a
noite
Preciso me subtrair da tristeza de um
olhar
escutar de novo música noutra escada
Com outros seios que não mais iludam.
No alpendre Maria diz coisas do ardor
Diz que ama e me bombardeia de carícias
Cálidas palavras brotam sussurros
Amor imenso rebelde nos gestos,
Sem juízo, no largado das horas.
IV
No alpendre quadrado, murado, onde as
flores
morrem debaixo das bundas, flores
amassadas
de um buquê sem cheiro e sem papel
celofane.
Maria corre, um prédio traga,
desaparece nas escadas da realidade.
V
Maria? Eu amo Maria tão honestamente
tão puramente que seria muito ruim
dizer que ela não existe
No entanto, asseguram: ela não existe
mais.
Ainda bem, ainda bem.
Não me conformo.
Conformo com o fato dela ter existido
Com a possibilidade essencial de eu a
ter amado
VI
Chego até a me enganar
Nada disso é fantasia ou poesia
Nada disso é drama ou comédia
Penso em Maria como se fosse um louco
Todo meu corpo pensa Maria e se agita
e
Cresce, num só gesto de adoração
VII
Mas Maria não é para mim,
Classes carimbadas
Lutas desiguais, sistemáticas,
estúpidas.
Mas ela foi minha, lavou meus cabelos
Beijou minha boca, dormiu me abraçando
Xingou os céus e xingou demais
Xingou os deuses e para mim guardou
o que era doce, cristal: o seu corpo
VIII
Finjo ser a indiferença na história de
Maria
De longe, os barcos são lentos e seguem
IX
Chovia
Era novembro
Jabuticabas maduras
Uma tarde,
As poltronas silenciosas e só os seus
ruídos.
Perto do piano seu corpo treme
– Eis! Vede! Ouça, o som!
Vou despir todo o corpo de Maria
Mostrar como ela realmente é
Limpa, nova, nua, pele de jambo
E
onde o sol não toca, eu toco
X
Tudo, tudo confuso
Por
que todo ser Maria fala tanto para mim?
E seus seios não falam
Suas coxas são cerimoniosas
Sua bunda é tímida
(iludo)
No sexo quando me acerco
XI
Tenho que pensar em semente
(quando penso Maria)
Ela é permanecerá
Verde, novo,
possivelmente outro ser
Sei lá! Nem sei se Maria é moça séria
Ou mulher-dama ou se ela sequer sabe
disso.
(vai ver que nem pensa em negócios)
XII
Ela sequer sabe que eu existo
acossado pelas minhas fantasias
áridas.
Maria não sabe que eu amo.
Passa por mim indiferente,
vira o rosto
cruza as pernas no cinema,
despreza o olhar
XIII
Ela às vezes afoga
Sem exagero ou metáforas
E em meus sonhos
Vejo seus lábios gritarem
E eu sou indiferente
XIV
Decido falar
Senhora, com licença,
Desculpe-me esta liberdade, nem lhe conheço.
Eu compro se for o caso um quilo de
beijos,
uma dúzia de abraços, uma tonelada dos
seus dias.
Pago na hora.
Eis, as minhas economias
XV
Vou sem rumo pelas cidades
Passo por Maria em Contagem
Sinto seu cheiro nos sítios
Procuro; no espaço, ela sumiu.
Sumiu simplesmente em mim.
Corro. Em casa, tiro tudo dos bolsos
Percorro nas mesmas ruas percorridas
Onde teria caído, onde eu esqueci
Maria.
Nasce a obcecação, nasce a angústia e
o desespero
Ergo roupas, reviso linhas,
entre-linhas, sub-linhas
(Em que momento esqueci Maria?)
XVI
Onde deixei Maria? No Século XX?
Em 1969? Numa rua?
No cofre? Não. Não! O raciocínio:
Primeiro ponto: porei, “tenho certeza
que a perdi”.
Segundo ponto: é preciso localizá-la,
imediatamente.
Fora de mim ela não vive. No ar, ela
envelhece.
Pergunto aos poetas... É morena,
cabelos negros, caídos,
Olhos castanhos, sorri assim. Ah! Não
viram
Me xingam. Trepava no muro das suas
inspirações...
Os cantores perderam tantas Marias. É
inútil perguntar.
Passo ao largo. Não posso perguntar
aos cantores.
Perguntei ao mendigo sempre no mesmo
lugar
Talvez tenha o dom de ver de um só
lugar
Viu? Não, não viu e eu não parei
Perguntei ao porteiro, ao carteiro,
Continuei nos dias que se seguiram
Queria viver lentamente, eternamente,
Nas praças, nos bares.
Tomar a cerveja gelada que me falta
Beber em copo de vidro, sentir nos
lábios,
na garganta correr o líquido e
embriagar
Fui escutar o escultor falar,
Falou de derrotas e de vitórias. Seus
lábios
Tropeçaram, tremeram e sorriram
Calou, me disse que esculpiria
Uma imagem de Maria, presente de fim
de ano
XVII
Puto nas calças, enciumado,
voltei às ruas, bêbado
Onde, Maria?
Onde, miserável e bela?
Onde, desgraçada,
eu lhe perdi?
Em que lugar de mim você se escondeu?
Trouxe do chocolate que gosta
da confeitaria predileta,
castanha de caju coberta de chocolate
XVIII
Maria, você está ficando dengosa
demais,
Venha cá, volte
Eu não só lhe dou tudo o que sou
como lhe dou do meu amor o dia inteiro
E mais, de agora em diante, prometo
não insistir.
XIX
A seção de perdidos e achados
dos jornais avisa ao Senhor de Maria
que a figura descrita foi vista
na praia de Ipanema, tomando sorvete
até pousou para repórter que filmou
Sensibilizado com as pernas e o corpo inteiro
(você sabe quem foi, pela marca das
fotos)
Filho da puta,
esse corpo todo daqui é propriedade,
tem dono,
Tira a máquina, ô! camarada viciado
vá sensibilizar-se com as coxas de
suas negas,
leve um cabresto, se você estiver na
esquina
se arreie, gaiato, para que lhe passem
as coxas
XX
Um poeta sem escola, sobraçando Dante
Avisa: Maria quer ser dona de casa
Mulher honesta, viver para os filhos,
para o marido
(Que saco, haja!)
que nunca mais quer saber de mim
tudo foi uma aventura
não mais interessa a ela olhar meus
olhos.
XXI
Maria agora é mulher caseira, ordeira,
Mulher dinâmica, mas o marido
cronometrado
é conveniente, dá chá-dançante, sorri
fechada,
aparece nos jornais em preto e branco
até com todas as cores
O texto diz que veste o modelo KX
XXII
Agora, ando pela cidade
A procura de uma casa branca
Para morar,
Não sei não, Maria, tenho noites assim
iguais a estas: dá é uma vontade
danada
de pensar em você, viver de novo em
nosso filme
Gosto de lembrar as palavras das
pessoas
Que não perderam um silêncio na
inveja.
XXIII
Em tudo, no cais parado, na estação
deserta
Eu sou um homem feliz, trago em mim
outras
e tantas Marias.
Quantas Marias?
Troço de certeza, um encontro qualquer
dia
em qualquer cidade calma. Eu
conseguirei
identificá-la? Tanto tempo perdida,
assaltada, roubada, saqueada.
XXIV
Tudo porque conheço Maria
Mas como poeta, sou louco e vou tentar
fazer versos, me alimentando com
arroz, feijão,
carne, leite e sonhos na dieta dos miseráveis
Devoro chuchu, beterraba, batata
inglesa.
Maria é uma fazenda, cheia de animais
Eu sei o que Maria é, disse o
filólogo, na 3a Conferência
sobre O Perder Maria,
Calou, não conseguiria o suspense
organizado
Maria é um buraco, gritou e levantou o
dedo
Maria é um buraco, repetiu à
assistência inquieta
XXV
Na volta da caçada,
o caçador jogou as armas no terreiro
Tinha ódio e maldade nos olhos
Será que o mar-monstro roubou Maria?
Noutro ponto, o homem de Java fareja
os rastros
visíveis de apetitosa donzela e ao que
tudo indica
ela foge de todos os amores.
Quem sabe?
XXVI
Um por cento das mulheres é dádiva da
natureza,
Poucas nestes um por cento chega ser
Maria
XXVII
Maria
teus cabelos negros, lisos, longos,
caindo sobre o meu braço
Maria
porque teus olhos me segredam o belo,
eu te amei
Maria
teus sonhos nunca se realizariam, a
eternidade é dos poetas
Maria
não esqueça nunca de mostrar-me onde
escondes a chave
Maria
não esqueças de que eu te amo
Maria
olha o leite das crianças,
Maria
sabes onde deixei o romance?
Maria
quando falam de um amor belo, falam do
nosso amor