quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

CROMOVISÃO



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Chapéu de Feltro Cury



  
      
A menina da casa velha



Gregório Rocha Lima
                                                                 
      


Esta casa de séculos em mil e setecentos. Uma cidade cheia de casas grandes. 
Cidades feitas a partir desta ou daquela construção, desde uma igreja ou de um forte 
ou a partir de uma mina. 
Nossa cidade começou ali. Você pode apontar. Pode indicar a fortaleza. 

Buscar sinais de lutas, bombardeios, dores e alegrias. 
Existem outras cidades feitas de agora. Crescidas em concreto.

Na cidade sem passado, desguarnecida de fortalezas, numa casa velha, com passado, 
desguarnecida de amores, 
nesta casa de ladrilhos na fachada, de corrimão feito por artífice estrangeiro, 
varandas com samambaias.

Neste momento, cada passo do andar, do seu andar, tem uma resposta, 
um eco e rangem as madeiras. 
Parecem, e são, vozes distantes.

Numa cidade de poucas casas velhas, 
perdidas nos sons e ruídos do hoje, uma canção chamou casa calçada, 
casa-da-calçada, casa da calçada, 
com janelas aos montes, uma em série do que é antigo abria-se aos olhos, as flores para a rua.

Aqui, ali, acá surgem as vozes. Naqueles vazios, as paredes falavam. 
Os quartos guardam ecos de silêncios. Registros.

Esta casa velha. Velha, perdida, no asfalto negro.

Fecharam suas portas altas e pesadas.

Quem virá em que tempo abrir estas portas?

Empurrá-las? Afastar o peso do outro século?

Ele penetra na casa velha.

- Pare.

- Pare, espere. Alguma coisa pode acontecer.

Só o silêncio.

Procure, então, uma canção.

A sala. As paredes crescendo, indo ao alto e voltando em tudo. Os quadros.

A seriedade do homem no retrato.

Sério e só, isolado em seu princípio de século e em seu chapéu de feltro Cury.

Quem sou eu? O que interessa para você saber destas coisas? 
Sempre foste ranzinza assim? Saia da frente, atrapalha a paisagem do quarto. 
Saia não pergunte nada.

Quero uma canção. A mulher segue nas sombras. 
Se ela voltar dizendo que minha canção não está lá dentro, 
eu vou abrir todas as janelas.

Verei o que acontecerá.

O ourives vive nesta casa velha. 
Encontrei poucos ourives que não fossem homens velhos, 
que não trabalhassem em casas velhas e salas, 
que não se dobrassem diante do trabalho. 
É de ouro a pedra de Drummond em seu longo caminhar.

Veja o ourives-engenheiro trabalhando no belo. De novo, olha em volta as sombras. 
Crescem, amarelecem, embranquecem e são sombras.

Sombras, sombras.

Veio-voltando, veio-vindo, a mulher, com a sombra.

Sua canção não está aqui. Ela parada. O som, o som.

Repetindo: sua canção não está aqui.

Como? Repetindo. Ela parada.

Incrível, pensei, como não está?

Ainda agora ela estava na janela.

Era menina e era morena.