Chapéu de Feltro Cury |
A menina da casa velha
Gregório Rocha Lima
Esta casa de séculos em mil e
setecentos. Uma cidade cheia de casas grandes.
Cidades feitas a partir desta ou
daquela construção, desde uma igreja ou de um forte
ou a partir de uma mina.
Nossa cidade começou ali. Você pode apontar. Pode indicar a fortaleza.
Buscar
sinais de lutas, bombardeios, dores e alegrias.
Existem outras cidades feitas
de agora. Crescidas em concreto.
Na cidade sem passado,
desguarnecida de fortalezas, numa casa velha, com passado,
desguarnecida de
amores,
nesta casa de ladrilhos na fachada, de corrimão feito por artífice
estrangeiro,
varandas com samambaias.
Neste momento, cada passo do
andar, do seu andar, tem uma resposta,
um eco e rangem as madeiras.
Parecem, e são,
vozes distantes.
Numa cidade de poucas casas
velhas,
perdidas nos sons e ruídos do hoje, uma canção chamou casa calçada,
casa-da-calçada, casa da calçada,
com janelas aos montes, uma em série do que é
antigo abria-se aos olhos, as flores para a rua.
Aqui, ali, acá surgem as vozes.
Naqueles vazios, as paredes falavam.
Os quartos guardam ecos de silêncios. Registros.
Esta casa velha. Velha,
perdida, no asfalto negro.
Fecharam suas portas altas e
pesadas.
Quem virá em que tempo abrir
estas portas?
Empurrá-las? Afastar o peso do
outro século?
Ele penetra na casa velha.
- Pare.
- Pare, espere. Alguma coisa
pode acontecer.
Só o silêncio.
Procure, então, uma canção.
A sala. As paredes crescendo,
indo ao alto e voltando em tudo. Os quadros.
A seriedade do homem no
retrato.
Sério e só, isolado em seu
princípio de século e em seu chapéu de feltro Cury.
Quem sou eu? O que interessa
para você saber destas coisas?
Sempre foste ranzinza assim? Saia da frente,
atrapalha a paisagem do quarto.
Saia não pergunte nada.
Quero uma canção. A mulher
segue nas sombras.
Se ela voltar dizendo que minha canção não está lá dentro,
eu vou abrir todas as janelas.
Verei o que acontecerá.
O ourives vive nesta casa
velha.
Encontrei poucos ourives que não fossem homens velhos,
que não
trabalhassem em casas velhas e salas,
que não se dobrassem diante do trabalho.
É de ouro a pedra de Drummond em seu longo caminhar.
Veja o ourives-engenheiro
trabalhando no belo. De novo, olha em volta as sombras.
Crescem, amarelecem,
embranquecem e são sombras.
Sombras, sombras.
Veio-voltando, veio-vindo, a
mulher, com a sombra.
Sua canção não está aqui. Ela
parada. O som, o som.
Repetindo: sua canção não está
aqui.
Como? Repetindo. Ela parada.
Incrível, pensei, como não
está?
Ainda agora ela estava na
janela.
Era menina e era morena.