Veja,
do outro lado do muro,
onde
nasceu o cajueiro.
(É
a mais bela de todas as árvores do quintal)
“Era
um bom companheiro de viagem. Alegre. Com ele não liguei mais o rádio, como um
narrador de futebol, ele carregava de emoção suas histórias.
Era um homem capaz de tudo.
- Você
conhece Monlevade?
Certa
vez, chegamos numa cidade pequena, um lugarejo, antes de Monlevade.
No
hotel, apareceu um moço magro. Dizia-se doente. Meu companheiro
examinou o rapaz. Os dois conversaram um tempo.
O
rapaz tirou do bolso uma receita. Ele a apanhou e leu. Apontava para a receita
e falava com o rapaz. Levava a mão na cabeça. Ria.
O
rapaz não conseguia rir. Tentava.
Disse
para o rapaz que a medicação estava errada para aquela doença. Apanhou um papel
e escreveu a nova receita, como sempre fazia, letra ilegível, onde, segundo
ele, os rabiscos de sua assinatura significavam doutor Droguinha das Drogas
Oliveira.
Este último era quase legível. Seguimos viagem.
Meses depois, estávamos de volta à cidade.
Ao
lado do hotel, havia uma mesa de sinuca num bar. Descemos do caminhão e fomos
direto ao bar. Meu companheiro observava o jogo de sinuca e perguntou pelo
rapaz. Explicou quem era.
Um
dos jogadores, sem se voltar, contou que o rapaz havia morrido em virtude de
uma intoxicação.
“Ele
trocou uns medicamentos, explicou, receita de um médico vagabundo e morreu”.
Não
continuamos na cidade. Voltamos para o caminhão e seguimos viagem. Meu
companheiro teve medo de que o reconhecessem no hotel como o homem que trocou
as receitas.
Esse
meu companheiro, bom narrador, gostava de tirar uma de médico.
Baixinho,
usa óculos e tem mais de sessenta anos. Velho estradeiro, destes
irresponsáveis.
Eu
briguei com ele, ameacei-o de morte, mas ele chorou e disse que o rapaz doente
foi o próprio responsável pela morte.
“Garanto,
dizia, o rapaz misturou os remédios. Eu havia explicado para ele que não podia
misturar, falei que era perigoso. A mistura virava veneno”.
Não
falamos por mais de uma hora de estrada, quando ele quebrou o silêncio.
Murmurando
“Por que será...? Por que será que ele suicidou?”