Memória
e verdade
Alcebíades de Athaíde
Agora,
recuperando datas, encontrei em um caderno, não datado, mas que menciona o ano
de 1973 algumas vezes, o meu primeiro diálogo com Débora Lisboa. Do diálogo,
registrara só as perguntas que ela e duas de suas colegas estagiárias, ela
também uma estagiária, me fizeram.
Eram
perguntas relacionadas à vida do preso e à vida na prisão. Joguei para o ano
2000, foram 27 anos a partir daquele diálogo e de suas imediações.
Como
não tenho certeza de que tudo o que está naquele caderno reporta mesmo ao ano
de 1973, o Caderno Número 1, com capa invertida e com algumas páginas
datilografadas, indica uma possibilidade de montagem que remota àquela década.
Esta
quase insistência (não chega à obsessão) na datação teria um aspecto de recuperação
de memória, de organização de trabalho.
Teria
também um pouco de saudade do perdido, não o tempo, o que o tempo possibilitou
e que foi vivido. Não perdido propriamente, mas passado e este passado
entendido como totalmente vivido, ainda no sentido de que embora vivido não
totalmente esgotado e apreendido em sua totalidade.
É
esta apreensão, eu que vivi e pensei o vivido, que agora busco, resgato,
transformando-me em objeto apaixonado de algo que surpreende e que traz
surpresas.
O
eu tornado objeto deveria ou suporia, pela distância, um objeto de análise (- Este aí sou eu, fui eu?) a que se deveria
trabalhar com rigor, nada mudar, nada alterar e capturar o real... aí a maior
de todas as dificuldades, o trabalho com as palavras.
As
palavras como ferramentas, instrumentos, a gramática, o léxico, como
instrumentos, tudo isto se vê, claro, são limites, instrumentos são limites.
Limites
em muitos sentidos, por não serem suficientes na operação, por obliterarem, por
não conseguirem navegar com profundidade e, depois, talvez principalmente, por
não ter em seu manuseio, em seu uso, a pessoa qualificada, treinada, preparada
e com a cultura (pelo valor etimológico das palavras) suficientes para o
entendimento, a compreensão e a reelaboração.
Assim,
toda memória tem mais de ocultar do que de revelar, tem mais de mentiras do que
de verdades, tem mais de sonhos do que de realidade.
A
memória é traiçoeira, perigosa e,
muitas vezes, quase sempre, mortal.