quinta-feira, 26 de abril de 2018

MORTAL E TRAIÇOEIRA





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Memória e verdade



Alcebíades de Athaíde





Agora, recuperando datas, encontrei em um caderno, não datado, mas que menciona o ano de 1973 algumas vezes, o meu primeiro diálogo com Débora Lisboa. Do diálogo, registrara só as perguntas que ela e duas de suas colegas estagiárias, ela também uma estagiária, me fizeram.

Eram perguntas relacionadas à vida do preso e à vida na prisão. Joguei para o ano 2000, foram 27 anos a partir daquele diálogo e de suas imediações.

Como não tenho certeza de que tudo o que está naquele caderno reporta mesmo ao ano de 1973, o Caderno Número 1, com capa invertida e com algumas páginas datilografadas, indica uma possibilidade de montagem que remota àquela década.

Esta quase insistência (não chega à obsessão) na datação teria um aspecto de recuperação de memória, de organização de trabalho.

Teria também um pouco de saudade do perdido, não o tempo, o que o tempo possibilitou e que foi vivido. Não perdido propriamente, mas passado e este passado entendido como totalmente vivido, ainda no sentido de que embora vivido não totalmente esgotado e apreendido em sua totalidade.

É esta apreensão, eu que vivi e pensei o vivido, que agora busco, resgato, transformando-me em objeto apaixonado de algo que surpreende e que traz surpresas.

O eu tornado objeto deveria ou suporia, pela distância, um objeto de análise (- Este aí sou eu, fui eu?) a que se deveria trabalhar com rigor, nada mudar, nada alterar e capturar o real... aí a maior de todas as dificuldades, o trabalho com as palavras.

As palavras como ferramentas, instrumentos, a gramática, o léxico, como instrumentos, tudo isto se vê, claro, são limites, instrumentos são limites.

Limites em muitos sentidos, por não serem suficientes na operação, por obliterarem, por não conseguirem navegar com profundidade e, depois, talvez principalmente, por não ter em seu manuseio, em seu uso, a pessoa qualificada, treinada, preparada e com a cultura (pelo valor etimológico das palavras) suficientes para o entendimento, a compreensão e a reelaboração.

Assim, toda memória tem mais de ocultar do que de revelar, tem mais de mentiras do que de verdades, tem mais de sonhos do que de realidade.


A memória é traiçoeira, perigosa e, 

muitas vezes, quase sempre, mortal.