A prisioneira condecorada
- Ela era bandida?
Adriano Augusto
- Ela foi
prisioneira. Ela conhece uma prisão por dentro. Viveu a nossa vida de
prisioneiros. Ela esteve presa e não foi por pouco tempo.
A revelação
do Pimenta não gerou nenhuma estranheza. Nenhuma perplexidade. Apenas um
silêncio cortado por Agostinho enrolando seu baseado. Ele falou pausado,
tranquilaço.
- Ela é
bandida. Era mulher. É bandida. Era santa. É bandida. Toda mulher é isto mesmo
santa e bandida. Não escapa. Assim como estamos condenados à prisão, elas
também estão condenadas à bandidagem e à santidade, algumas vezes mais bandidas,
quase sempre. Se ela foi prisioneira...
Pimenta olha
fixo e acompanha a fumaça que já domina aquele espaço amplo, onde o cheiro da
maconha é degustado.
- Vamos ver
com mais precisão. Quem de nós veio para a prisão porque fez o bem, ajudou uma
pessoa, salvou uma vida. Veja, meu amigo Agostinho, onde ela passou a maior
parte dos seus dias de prisão foi no fim da guerra em um campo de concentração
montado pelos EUA no Marrocos, no norte
da África. Mais, mais. Antes ela fora
condecorada pelos seus carcereiros. Ela estava presa, não pelos seus atos e
suas responsabilidades, ela estava presa porque era italiana e, para os que
ganharam a guerra, ela era uma inimiga.
- E por que
ela foi condecorada?
- Condecorada
porque salvou vidas e, nos hospitais que dirigiu, recebeu muitos feridos. Ela
não podia olhar, nem os seus médicos, a farda, a nacionalidade, nada disso. Ela
salvava vidas. Por isso, recebeu homenagens e condecorações dos alemães, dos
italianos, dos etíopes, dos ingleses e dos norte-americanos.
A guerra
terminara e a Líbia, onde os italianos foram derrotados, ocupada, teve que
ceder o hospital que estava sob a direção da irmã Maria. Depois de quase dois
anos em um campo de concentração, voltou para Roma, onde tornou-se uma
executiva do Vaticano e conheceu o padre Gemelli.
- Na Líbia,
em Trípoli, debaixo de intensos combates e bombardeios, o hospital abriu suas
alas para as ruas e em pouco tempo o hospital estava em muitas casas, cirurgias
eram realizadas a céu aberto. Era o que podiam fazer para salvar vidas. Não ter
medo. Na guerra, é proibido ter medo. Diz ela. Sei não. Ela disse isso. Como
não ter medo?