O
decadente
Simão Sardinha de
Almeida Filho
Cinco dentes, os três primeiros, ele tirou da boca
e jogou no chão. Estava atrás das grades e os dois amigos que estavam do lado
de fora e sentados cataram os dentes.
Eram dentes quase inteiros e sem sinal de sangue. Assim eles saíram de sua
boca.
A impressão era de que perdera os dentes e que nada de mal
fisicamente lhe acontecera. Apenas perdera os dentes. Em sua arcada nenhum
sinal de que perdera os dentes.
Era como se nada tivesse acontecido. Afinal seus
dentes verdadeiros pareciam estar no lugar ou pelo menos ele não sentia falta
dos dentes.
Nenhuma aparência externa de
que tivesse perdido tantos dentes. Também raramente abria a boca para um
sorriso.
Disseram que ele estava decadente e que a sua vida
estava por um fio.
Nilmar providenciou
para que o levassem para um dos quartos.
Antes, ele passou em seu próprio quarto. Não
entendia direito porque iria para outro quarto se tinha o seu lugar.
Nilmar estava em dúvida se devia gravar seu
depoimento ou se pedia a um dos repórteres, um rapaz magro e alto que o acompanhava,
para que tomasse as notas.
O melhor seria gravar e ter o material para ser
retirado e editado em outro momento.
Deitado na cama sob as luzes e a câmera de uma
televisão, filmado, o quarto cheio de gente, ele recebeu um disco de vinil de
presente de um seu ex-aluno, que esteve no Iraque.
Um disco de um grupo bom, muito bom, e eles
queriam filmar também a capa do disco, identificando os músicos.
Ouviu quando disseram que ele estava decadente.
Indiferente como quando jogou os dentes no
corredor da cadeia.