A paixão da diaba
W. W.
Bley Batista
Introdução
Aqui se fala da descoberta
de Adalberto, descoberta
que ele não
dera muita importância.
Ponto de partida
para a reconstituição
de um crime hediondo.
I
Ninguém entendia, muito menos elas,
como uma pessoa aos 70 anos, ainda um homem muito forte, uma pessoa preparada,
sofisticada, ambiciosa, como Adalberto Cardoso de Mello e Sotomayor vivesse uma
situação tão complexa e difícil.
Como teria sido possível, aquele homem, quase um sábio, fosse entrar em tão grande enrascada?
Como teria sido possível, aquele homem, quase um sábio, fosse entrar em tão grande enrascada?
- Você, minha cara Ceres Evangelista,
a mais doce mulher de Arnold, sentada, pernas cruzadas, saia curta, observou
que só podia ser “praga”, “coisa ruim”, “trabalhos” de uma das ex-mulheres de
Adalberto, “e... como são tantas” porque não poderia ter existido, entre elas,
uma ou várias que acionaram poderes especiais ou poderes especiais alugados
para senão destruí-lo pelo menos para contê-lo ou miná-lo?
Enfim, repetindo,como são tantas as
mulheres de Adalberto, uma ou mais de uma estaria ou estariam fazendo algo
contra ele, prejudicando-o, puxando-o para trás, fazendo com que ele
permanecesse numa situação em que nada dá certo, em que nenhuma iniciativa tenha
êxito, como se estivesse amarrado.
Isto já há pelo menos duas boas e
longas décadas.
Cabelos vermelhos, fartos e com uma
parte amarrada no alto da cabeça. Esta é a outra, Elisabete Spíndola de Castro,
um tanto incrédula, um tanto insegura. Ela observa que só podia se tratar de
uma “feiticeira” ou de “um diabo em forma de mulher”.
- Quando na história o diabo teve a forma de
mulher? O inferno é dos diabos. O inferno é dos homens. Não há a diaba. Diaba?
Não é uma palavra. Não tem sonoridade e não há como fazer uma mulher diaba.
Teria que ser feiticeira ou bruxa, diaba não.
- Feiticeira? Bruxa? Diaba?
- Diabo não pode ser feminino.
- Pode ser bicha?
- Diabo-queen!
- Segundo Lutero, a razão é o diabo
feminino, o feminino do diabo..
.
- Lutero?
- Sim, Lutero, ele dizia que a razão
é a prostituta do diabo.
- E Lutero era o senhor racionalista
em luta contra dogmas da igreja católica, contra a venda das indulgências e
contra os intermediários entre deus e os homens. Na verdade impondo novos
dogmas. Lutero era um racional até determinado ponto. O seu limite era os
limites da fé. Entre a fé e a razão, ele ficava com a fé. A razão se
questionadora transformava-se em um demônio ou, em suas palavras, nem chegava a
ser um demônio, era pior. Era a puta do diabo.
- Nossa diaba é a puta do diabo.
Adalberto ouviu as duas amigas. Elas
conversavam na sala ao lado da seu escritório e ele as ouviu, sem que fosse
visto.
Esta hipótese levantada por elas
martelou sua cabeça o dia inteiro, porque entre
“as tantas” mulheres com quem viveu, ele havia vivido com uma feiticeira ou com o próprio diabo
travestido de mulher ou com o diabo-queen.
“Não é possível. Ela era uma mulher
genial, com quem nunca deixei de ter relações profundas, amigas, respeitosas e
de intensa compreensão”.
“Ela sempre foi uma mulher muito
bonita e boa, sempre equilibrada, até mesmo muito mais equilibrada do que eu -
o que não é vantagem. Entre as muitas qualidades que sempre me atraíram nela,
havia uma que se destacava: sua capacidade de ser surpreendentemente bela e o
que também me atraía muito era um resgate, permanente, de um amor maior, mais
forte e que me marcara muito na juventude. O que eu quis dizer com
surpreendentemente bela? Vou explicar. Uma mulher que é bela, é bela
naturalmente. Uma mulher que te surpreende com a beleza é uma mulher que cria a
beleza nela, que traz a beleza para ela. É a beleza que vem com um momento, um
gesto, uma roupa, um cheiro, uma surpresa”.
“Para que se tenha uma ideia disto:
havia em seu quarto um retrato, a foto do rosto dela. Só que era o rosto de
Maria, foto produzida com a técnica da sépia, com versos que exaltavam o papel
da mulher. Só que esta era a foto dela e era também Maria. A Maria que eu
trazia na minha memória, em meus sonhos, que eu perseguia. A Maria que me fez
poeta, romântico e que me fez homem”.
“O jogo dela comigo, se existia jogo,
sempre foi um jogo extremamente limpo e no jogo, em que a sedução é também um jogo,
as regras jamais são reveladas antes. Ela jamais forçou a barra e nunca
escondeu de mim suas atividades e nunca se recusava a responder às minhas
perguntas de neófito e curioso. Conversava sobre o seu mundo - o outro mundo - como se eu fosse um
seu, um ser que lhe pertencia, parte dela - às vezes isto me arrepiava.
Assustado mudava de assunto, sem que
ela desse mostras de estar incomodada. Mudava o assunto, sem qualquer
dificuldade e rapidamente.
"Ela era uma feiticeira”.
II
“Ela poderia ter feito algo contra mim?
É incrível, mas eu não acredito. Eu duvido. Sei que se ela viesse a fazer algo,
seria sempre ações que me fariam sempre uma pessoa feliz. (???) Ela gosta muito
de mim, eu sei disso, e eu gosto muito dela, eu tenho certeza total disto. Eu a
respeito muito e ela é uma pessoa, sempre foi, extremamente boa e ainda é uma
mulher que me atrai - em assim sendo não posso me aproximar muito dela. É
chegar junto e atracar”.
“Ela sempre pensou em mim
positivamente, preocupada comigo e com o que ela considera o meu ser. Ela fala
de inúmeros passados e de tempos complexos para a minha compreensão, como
inveterado bom ouvinte, ouço-a e fantasio muito mais ainda as suas fantasias, voo
por todas aquelas terras e cidades, no tempo e no espaço”.
“Um dia, voltando de Praga, na
Tchecolosváquia, em que eu ansioso gostaria de ouvi-la falar da terra de Kafka
- enquanto ela esteve lá reli O Castelo, O processo e os contos - ela passou
rápida nas descrições que me importavam e foi direto: segundo ela, em Praga,
confirmara algumas de suas suspeitas sobre nós dois e lá ela recuperara parte
importante de sua memória, que era a memória dela e minha. Com a certeza
fundamentada de que nós dois sempre estivemos juntos há bilhões de anos. Ela é
paciente”.
“Ela não está e nem nunca esteve
preocupada com este momento em que vivemos e muito menos com as outras pessoas
que povoam a minha vida. Ao contrário, ela fica profundamente triste e
preocupada quando eu faço ou deixo alguém sofrer. É verdadeira a sua preocupação.
Ela toma medidas práticas, concretas, para me ajudar a sanar qualquer dano
psíquico ou outro que eu provoque por minha ações inconsequentes - que no
relacionamento amoroso sempre podem ocorrer ou sempre ocorrem”.
“Como uma mulher destas, mesmo sendo
uma feiticeira, poderia fazer algo que me prejudicasse ou contra mim ou que me
viesse a possibilitar uma felicidade que não fosse uma felicidade imaginada,
sonhada, pedida e vivida por mim? Ela jamais faria qualquer coisa que me prejudicasse.
Tenho certeza disto. Nem faria nada que viesse a definir a minha volta ou
permanência junto dela”.
“Não sei e nunca soube dela fazendo
mal a alguém. Também nunca fui fundo nas coisas dela, em seu ambiente e em suas
atividades de feiticeira. Muito ela me conta ou diz o que posso compreender.
Jamais escondeu qualquer coisa. Como eu não acredito, ouço, comento e não
especulo além daquilo que não vá deixá-la desrespeitada. Ouço”.
“Ela sabe da minha descrença, da
minha ignorância e das minhas inquietações. Ela tem o seu deus, seu demônio ou
seja lá o que for. Eu não tenho nada, não acredito em nada. O que houve? Houve
apenas um tempo, um tempo em que nos amamos e ainda conservamos uma grande
amizade, um grande carinho”.