quinta-feira, 5 de setembro de 2019

NA ESTRADA




Resultado de imagem para ESTRADA






A arte de caminhar

Rufino Fialho Filho






1.

Dos peripatéticos até os carteiros

Não há outro meio de levar a ideia, a notícia, a carta, senão caminhando e quando se caminha, em qualquer caminho, até no espanhol, se caminha para ligar, religar, fundir, dizer, transmitir, criar, anunciar, interpretar

Caminhando contra a neurose

Aqui, é o relato da experiência da terapeuta Anna Sharp que transformaria a experiência de caminhar numa forma de autoconhecimento e reflexão.

Anna criou um trabalho cuja chave é ensinar a cada um a aprender a conhecer os sinais do seu caminho

Caminhar, caminhar e caminhar pelo menos durante 2 horas para o organismo fabricar a endorfina, droga segregada pelos tecidos nervosos que é expansora da consciência.


O andarilho
Nietszche
Dos Poemas, 1871-1888

Um andarilho vai pela noite

(Um andarilho anda apenas pela noite?)

A passos largos;

(andarilho que anda rápido, tem objetivo, lugar para chegar, andarilho não)

Só curvo vale e longo desdém

São seus encargos.

A noite é linda -

Mas ele avança e não se detém.

Aonde vai seu caminho ainda?

Nem sabe bem.



Um passarinho canta na noite:

“Ai, minha ave, que me fizeste!

(Minha estrela!)

Que meu sentido e pé retiveste,

E escorres mágoa de coração

Tão docemente no meu ouvido,

Que ainda paro

E presto atenção? -

Por que me lanças teu chamariz?” -



A boa ave se cala e diz:

“Não andarilho! Não é a ti, não,

Que chamo aqui

Com a canção -

Chamo uma fêmea de seu desdém -

Que importa isso, a ti também?

Sozinho, a noite não está linda -

Que importa a ti? Deves ainda

Seguir, andar,

E nunca, nunca, nunca parar!

Ficas ainda?

O que te fez minha flauta mansa,

Homem da andança?”



A boa ave se cala e pensa:

“O que lhe fez minha flauta mansa,

Que fica ainda? -

O pobre, pobre homem da andança!”



O homem da andança

Tcioran e Nietszche


Naquela esquina, ele dominava a cidade

e o céu

O que quer ainda este pobre

homem da andança?


Um andarilho vai pela noite,

diz Nietszche



Um andarilho não anda apenas pela noite

Anda no amanhecer

de Zaratustra

entre todos e ninguém

não a passos largos



Andarilho que anda rápido tem objetivo, lugar para chegar.

Andarilho, não!

Andarilho fala com o vento

e com as aves



“Ai, minha estrela, que me fizeste!

aceleras meu caminhar,

atropelas minhas pegadas

e não corres, voas

parada, sempre no mesmo lugar

e eu em todos os lugares,

sempre no mesmo lugar

Eu percorro caminhos

e estrelas?


2

O andarilho


“Andarilho é o homem, seu dever é vagar
Para descobrir em outro lugar um lar imutável.”
As palavras da loucura, Schiller



Excluído da família, um sem-família, caminha pela cidade, completamente solto, livre....

Não sei se livre, desarvorado, em meio às árvores das avenidas, com mil sofrimentos, mil pensamentos.

Eu pisava as ruas da capital como todos os outros andarilhos as percorrem, com o mesmo sofrimento de todos eles, olhando pessoas, não olhando, olhando casas, prédios, lugares, não olhando, estando lá, passando por lá (lembrando-me de Dostoievsky de Noites Brancas e de Steimberg de um livro de histórias sobre um vale e a sua cidade - principalmente a aproximação).

As casas e seus habitantes, a vida e as suas manifestações, as alegrias e as tristezas.

Caminho em direção permanente ao outro; muitas vezes percorria distâncias incríveis apenas dentro de mim e assustava-me quando descobria onde havia chegado, o caminho que percorrera sem ver, sem ser abordado e sem ser atropelado (exatamente isto: é o sobrevivente do acaso).

Aos poucos percebia meus parceiros, os outros andarilhos, muitos tão profundamente dentro de suas vidas e de suas histórias que os imaginava maravilhosos embora soubesse, como poucos, a imensa profundidade daquelas descidas - este é, não sei se, o mais desastrado de todos os mergulhos.

Percebia-os pelas roupas, pelos cheiros, barbas grandes, pelo caminhar (vi neste trajeto muitos ex-andarilhos e perdi de vista alguns andarilhos, não aqueles que faziam sempre, infinitamente os mesmos percursos, os mesmos trechos).

Sentia-os na não solidariedade, na indiferença, mergulhados em seus mundos, às vezes, lado a lado, cansados, em um banco de praça, comunicávamos nossos silêncios, nossas profundidades, perdidos e dostoievskianamente humilhados e ofendidos ou não.

Captava-os, amigo, nas suas sombras e nos seus lugares, sabia-os por locais baldios e em podridões, onde outros homens não aventuram se aproximar, narizes sensíveis e almas limpas.

Capturava-os em mim, na minha aventura para o descobrimento das avenidas largas e das imensidões dos céus nos vales de uma cidade comprimida pelas construções e pelo cinza de suas paredes.                

Aqueles que conhecerão os percursos possíveis das mentes sofridas, um dia dirão de que é capaz este imensurável mergulho. Se suas cabeças caem para o chão, isto não significa nada. Se falam sozinhos, isto não significa nada. Para os estudiosos do cérebro hoje pode significar uma alucinação, um complexo diálogo com o inferno e/ou com o céu.


“... o pobre irmão se levantava, a boca apodrecida,
 os olhos arrancados - tal como ele se sonhava! -
e me arrastava pela sala,
berrando seu sonho de idiota aflição”.

Arthur Rimbaud


3

O homem inacabado
A metade que parecia dele ficou
a esperar a outra,
que se forjava na cidade dividida.
Não conseguia juntá-las...” 
Cadernos de João, de Aníbal Machado



Eu conheci um homem inacabado. Era um sujeito altivo. Ele não buscava nem mesmo  a sua outra metade, que sabia existir. Isto já seria demais. Buscava-se quase na totalidade do mínimo ser. Qualquer traço já seria alguma coisa, um ponto de partida. Um traço de caráter. Uma renúncia. Uma glória. Nada.

Não era nem mesmo metade e nem mesmo inacabado. Absurdo seria dizer que este homem não conseguiria jamais ser nem mesmo um homem começado. Como não é esta a linguagem que falo agora, digamos que este homem que eu conheci muito de perto tenha sido um projeto, um homem projeto, um homem projetado, pensado e que quase começou. Uma construção imaginada, projeto de arquiteto, diante do papel branco, a desenhar. Cada pedaço encontrado pouco preenchia. Assim, tudo era incompleto, inacabado, insustentavelmente inapelavelmente inacabado porque não completamente começado, nem mesmo começado.

Sua tragédia ou seu talento estava em ter tomado conhecimento desta impossibilidade de completar-se, da sua impossibilidade de começar. Ele aceitou o inacabado e aventurou-se em supor-se completo, na possibilidade de visualizar-se como metade em busca de uma outra metade, quis que a metade existente tornar-se conhecida de si. Incrível aventura. Conhecer-se a si mesmo... pela metade ou pelo menos a metade ou quase a metade.

Examinou todos os homens completos possíveis, como examinou modelos plutarquianos e não plutarquianos além dos modernos modelos virtuais. Mais do que uma escalada a mil Everest - fato possível - era chegar ao cume da metade de si mesmo - fato impossível - mas imaginável, potencializável, não por ele, mas por um homem, ou por todos, algum dia.


“Uma obra consumada não seria necessariamente
 acabada e uma obra acabada
não seria necessariamente consumada”.
Baudelaire citado por Malraux,
citado por Merleau-Ponty

“A cultura jamais nos dá, pois, significações absolutamente transparentes, a gênese do sentido jamais se conclui”.

“Ora, se expulsarmos do espírito a ideia de um texto original, do qual a linguagem seria a tradução ou a versão cifrada, veremos que a ideia de uma expressão completa é um contrassenso, que toda a linguagem é  indireta ou alusiva e, se quisermos, silêncio”.

Maurice Merleau-Ponty, in A linguagem indireta e as vozes do silêncio, Editora Abril

“Como sempre em arte, fingir para tornar verdadeiro”.

Sartre citado por Merleau-Ponty

“O poeta é um sofredor,
finge que é dor, a dor
que deveras sente”

 

Fernando Pessoa



4

A água sobe no rio Solimões e entra nas cidades à margem, as casas são invadidas e os homens sobrevivem espremidos entre o piso de madeira de suas casas de palafita e o teto. Eles foram subindo os assoalhos à medida que a água subia. Agora estavam a menos de um metro do teto. Não se prepararam e nem se preparavam para depois do teto. Não se afastavam de suas “coisas”, a casa, os utensílios domésticos, as roupas, os mantimentos, o dia a dia em cada peça conquistada.

5

O silêncio de pai

Depois da segunda operação e de ficar com uma abertura no intestino, colostomizado, pai não mais fala, a voz não sai. Explicação médica: teria sido em virtude do processo de entubamento de oxigênio durante a operação e que afetara suas cordas vocais.

Não consigo entender seu silêncio. Parado na sua frente, olhando o seu corpo magro, pele e osso, braços finos, ombros à mostra, rosto seco, pai se cala para tudo.

Acredito que ele optou por calar, falar para ele tornou-se cansativo, sem sentido, impossível ou desnecessário. Agora seus diálogos estão nos olhos - se quisermos ouvi-lo devemos olhar em seus olhos.

Alguns dias depois, pai levantou falando normalmente. Recuperara a voz. Naquele dia, tornou-se crítico e ácido com Mirtes, “aqui, eu mando”, percorrendo um caminho em que seu rosto revelava seu inconformismo.

Ele não sustentou durante muito tempo a sua voz normal e não durou nada a sua vontade de manifestar-se. Calou mais uma  vez. Já era uma voz cansada, já era um raciocínio quebrado por esquecimento, mais esquecia do que lembrava, já era uma voz diante de uma porção de vozes de jovens e de pessoas maduras, que se expressavam, com talento, sem esquecimentos e com vida.

Ele calou-se e ele, se ouvia, pouco ouvia.

6

O homem adia a vida

Viverei amanhã

Amanhã, terei uma casa

Amanhã, viverei

Adiando a vida

Agora é lutar,

ralar, se ralar


Vou viver no final de semana

Aí, olho o sol e o céu

Depois é trabalho

ou não trabalhar

É não viver

Vou viver no final do mês

aí vou ao supermercado

Vou adiando a vida

Minha mulher está aí

amanhã vou amá-la

Vou adiando a vida

sem entender

o que é a vida


7


Veja, este homem que caminha

apressado, passos curtos, sua pasta

debaixo do braço

Este é ele

o homem arquivo

Chama-se Carlos

Carlos Felipe Menescal

Ele tem todos os documentos

É um homem arquivo

Veja como ele caminha

É o caminhar de quem recolhe

todos os papéis, todos os dados

para a sua grande pesquisa

é pesquisar, arquivar, sonhar,

enquanto isto, o lixeira escreve

suas histórias e ganha prêmios,

transforma-se, torna-se talento

enquanto isto, a mulher desespera-se

e à noite deita-se ao lado do homem metal

Carlos ergue-se sobre todos

e arquiva tempos e nomes

datas e tudo o que sonhas,

em todos os tempos,

o homem arquivo

arquivou a vida


8


As questões de um homem de oitenta

Quando eu crescer, eu serei... serei a flecha veloz, o touro bravo ou sentado, eu serei médico, um homem das almas e dos sonhos, o intérprete da loucura e de todas as alucinações. Quando eu voltar de Kiev, traçarei outros caminhos, nada, nada me amarrará. O que me amarra?

Me amarra a placidez de Hemengarda, a viuvez de Estergilda, a voz rouca de Lenora, tudo me segura nesta cidade, o rio destruído e ainda bela paisagem, correndo entre pedras em seus mil quilômetros de gritos indeléveis. O que me amarra é o sonho de Petrarca em busca de sua Beatriz.  (Dante fique esperto).  Não posso me prender em séculos que não me dizem mais nada. O que faço nos trecentos se nem em inferno posso sonhar?

Quando eu crescer...?

I.

“Absurdo seria dizer que este homem nem mesmo era um homem começado”.

Homem individuado é um ser único, total, completo. Individuado em que? Único em que? Completo em que? É indivíduo enquanto é um ser especial, diferente, não repetição, não referência de um, embora passível de referência para outro. Ser indivíduo, ser especial, significa que é e esgota-se como ser.

Assim, não haveria possibilidade de não ser começado. Ao ser já é. Impossível de ser  projeto? De querer ser algo, supostamente, criado a partir da vontade, de dados, de conceitos, de hipóteses estudadas, descartadas e aproveitadas, de possibilidades, da razão. Não há querer no ser, se o ser é, se ser já é, se se totaliza-se apenas no ser, na simples essência de ser.

Se um homem existe , ele o é integralmente homem e o seu destino, suas possibilidades, suas aventuras e suas totalidades. O homem ao ser, acaba-se; ao existir já é. Se não é individuado está aberto, pronto, a todas as individuações e/ou coletivizações possíveis.

Ao ser seria dada todas as possibilidades existentes na concretização do ser homem, ao homem seria dada todas as possibilidades de ser um homem feliz em meio a todas as condições adversas e a todo um destino adverso. Não importa, há a possibilidade e o ser feliz ou o ser infeliz está em aberto. Vale a vontade. 

9

- Meu nome é Nestor Nogueira Filho, tenho mais de 50 anos, 53, sou hoje, agora, um homem sozinho. Estar só tem a complexidade da solidão e a solidão a complexidade do necessário. É um homem e o deserto. É um homem com saudades de si mesmo. Por que?  Tive muitos filhos, mas acredito que não fui um bom homem de família. Nem chefe de família, me recusava a relação de chefia com pessoas íntimas e chegadas. Nem pai de família, queria ser apenas um da família. Isto é, não se pode dizer, categoricamente, que eu não tenha sido um bom pai, me esforcei e me esforço muito por isso.

Pode-se, entretanto dizer categoricamente que, muitas vezes, muitas vezes, não agi em função da família, da sobrevivência do grupo organizado e estabilizado em torno de pessoas. Esta questão me intriga. Gosto dos meus filhos, de todas as minhas ex-mulheres. Nas relações, as crises sucessivas atingiram pontos de difícil superação e o seu final foi um acontecimento, aparentemente, muito natural.

Explodiu o grupo em uma manhã. Não foi cada um para um lado. Foi todos para um lado e eu para o outro lado, para fora.

Saí de casa, saí da minha casa, saí da casa onde morei uns bons anos, saí da casa onde estão os quartos dos meus filhos e a cama da minha ex-mulher. Ela já não era mais a minha mulher, mas ainda era uma pessoa querida, admirada e sempre perdoada, valia tudo para ela e era natural (?) que assim fosse, pois assim caminhávamos.

A partir daí os laços foram se esgarçando, meus filhos, por mais insistência, por mais presença, foram se tornando pessoas estranhas, talvez eu não compreendesse o crescimento deles, eles também sofriam e cresciam. Amadureciam? Isto é muita covardia. Enfim, hoje, três anos depois, sou um homem sem família.

Não que não tenha procurado a minha estabilidade e as minhas novas emoções, como não quer dizer que não tenha procurado refazer-me, o que sempre havia feito. Procurei. Com uma mulher, passei a reconstruir-me. Aí talvez resida a dificuldade de hoje.

Não tenho conseguido esta reconstrução, talvez porque eu me procure e na reconstrução a lógica que impera é a lógica do conhecido e não a lógica do novo, do desconhecido. Cada um para um lado.

Uma criança nasceu, uma nova filha. Ela está aí, desenvolvendo.

Pela primeira vez, faço o que sempre mais gostei de fazer, estar perto, demasiado perto do crescimento de uma criança. Ela se desenvolve e eu vejo. Ela é hoje a minha única tábua de salvação. E a tempestade já é tufão. No oceano, estou sozinho, sem nada, senão ondas e abismos, quedas e escalas.

É um homem e o deserto. É um homem com saudades de si mesmo. Saudades de alguém que ele viveu, imaginou viver, criou e/ou a expectativa futura de ser.

A solidão do deserto quando não produz profetas, produz homens. É a dimensão verdadeira do homem, suas reais possibilidades.

Traduzir solidão por dor, desespero, é caracterizar uma demanda: a demanda do outro.

A solidão do outro em si não é solidão, é ser e ser o outro, há quem não consegue ser só, só é ser se o outro existe, o outro passa a ser sua cara, mais ainda sua pele, seu suor.

A tragédia só ganha todos os ares de grandiosidade, quando o ser só consegue ser pela cabeça, pelos pensamentos do outro: fato muito comum nas religiões e nas relações simbióticas com os mitos e astros, com os sonhos e dogmatismos.


10


Tcioran e eu

Apud Borges

Eu conheci Tcioran ainda menino, menino preto queimado de sol, correndo descalço pelas ruas da cidade de Teófilo Otoni. Via aquele menino de longe, quase sempre de muito longe, pois são ainda esparsas as notícias que eu tenho dele.

Lembro dele deitado no chão da varanda em conversas demoradas com as nuvens, lendo nos céus gente e animais em formas e composições às vezes belas, outras monstruosas.  (A palavra que diz isso)

Também deitado sobre uma mesa enorme no terreiro de secar café, à noite, segurando uma montoeira imensa de estrelas no céu, até se fixar em uma e era difícil. Lendo naquele céu imenso e iluminado pelas estrelas histórias fantásticas e deliciosas.

Lembro do menino do porão e de suas muitas fantasias, cada canto do porão, organizando os espaços. Debaixo da casa real uma casa iria surgir para amar e para guerrear.

Aquele menino e suas amizades com os gatos, cachorros, cavalos e bois. A tragédia do enterro do gato, quando os atores levavam a sério a história e o gato  não. Ele reagiu apavorado não aceitou seu enterro.

O menino negocia com os ciganos e parte para explorar as redondezas da cidade, as proximidades da casa, as proximidades do colégio até a grande aventura da estrada.

O menino e o cinema, com os seriados semanais no cine Poeira, Roy Roges, Ulysses, Zorro, Super Homem, depois do filme, o seriado e a continuação na próxima semana com o artista principal ou um seu aliado correndo risco.

Lembro do menino na rua das Putas com as puas velhas e com a puta gordona.

Acompanhei este menino pelas estradas de Teófilo Otoni a Pavão.

* Com Tcioran aconteceram muitas coisas, muitas aventuras, muitas paixões e mais do que tudo uma fabulosa aventura na imaginação, além do mais complicado uma persistente e dolorosa interrogação de si e de ideias, de pessoas e de sonhos. Pude acompanhar alguma coisa de perto. Vou falar do que vi e dos nossos diálogos, conversei algumas vezes com Tcioran, do que anotei tenho memória, do que apenas falamos em nossas muitas caminhadas não tenho mais nada.


* Eu caminhei Belo Horizonte milhares de vezes, mil ruas e avenidas, subi e desci muitos morros e ainda não conheço alguns canto da cidade.

Se me surpreendo dentro de uma casa, cuja fachada sei de cor, seria capaz, como um bom detetive, de falar sobre a estrutura da casa, disposição dos quartos, da sala, aventurando-me sobre seus primeiros donos, seus primeiros inquilinos e até mesmo passar a mão em uma parede onde uma mocinha deu seu primeiro beijo na boca de um namorado perfumado e suado.


Estou perdido e distribuído por toda a cidade, se meu perder não for total é porque a própria cidade me acha e me recolhe ou acolhe. Se reclamo das minhas caminhadas repetidas, mil vezes, para lá e para cá na mesma avenida dos Andradas, eu dou o troco e falo de cada milímetro do seu chão, de cada perspectiva do seu vale, de todas as frases de seus imensos cartazes, ditos inteligentes e bons de venda porque se vê e se lê.


* De Tcioran tenho notícias constantemente são os amigos comuns e suas ex-mulheres (ele não chamava-as de ex-mulheres, dizia minha mulher Isabel de Teófilo Otoni, minha mulher Isabel de 68, minha mulher Isabel de Belém, não existia ex- ou passado para ele em se tratando de amor e de vida).

Vejo seu nome sendo discutido em rodas de políticos, uns a favor falando com euforia e alegria, outros contra, outros  detratores, outros inimigos elogiando para fazer aparecer o ridículo das posições de Tcioran ou as suas contradições, apontando com fúria seus pés de barro. Vejo seu nome em uma lista de professores ou em um dicionário biográfico de jornalista do Estado de Minas Gerais.

Eu e Tcioran.

Agradam-me uma boa conversa, um bom amigo, ouvir relatos dos antigos e as experiências dos jovens, a coragem e a audácia dos jovens, os erros e a visão que os jovens têm de seus erros, principalmente as bem humoradas, os livros de aventura e os livros dos filósofos; Tcioran compartilha essas preferências, mas de um modo vaidoso que as transforma em atributos de um ator.

Qual seria a nossa relação? Eu acompanho a vida de Tcioran e sempre estive com ele em todos os seus momento. Não há nem conflito e nem hostilidade, como não há acordo e nem desacordo. Nossa relação se pauta, da minha parte, pela observação, e o que se pode dizer de alguém  e o que se pode conhecer alguém pela observação, por uma e outra conversa, por um e outro encontro, em sua maioria, ocasionais.

Observo essa obsessão de Tcioran pela palavra, sua insistência em escrever, em se dizer, intimamente, poeta, e em usar da poesia para apenas sobreviver.

Observo e leio tudo o que ele escreve, porque ele insiste em me mostrar. Ainda não posso avaliar. Ele está em permanente intervenções em tudo o que pensa, fala e escreve, reavalia o feito e reinterpreta cada fato, ato ou pessoa.

Reescreve permanentemente, ele é só um reescrevedor em busca da clareza e da síntese, da pouca palavra. Essa vulcanização do seu viver e fazer é que me empolga e me justifica.

Ele ainda não publicou, nem pensa concretamente nesta hipótese, nem teme o que possa acontecer caso tudo venha a se perder. Não porque não considere válidas as suas páginas. Não fechou nenhuma avaliação e teme, treme, ainda diante do universo planejado, das ideias concebidas e dos sonhos anotados.

Eu estou destinado a perder-me, definitivamente, e só algum instante de mim poderá sobreviver em Tcioran.

Tcioran desenvolveu elementos de sobrevivência nos relacionamentos e, embora não concorde com nenhum deles, eles devem ser melhor examinados, como, por exemplo, “seu perverso costume de falsear e magnificar”.

“Spinoza entendeu que todas as coisas querem perseverar em seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra e o tigre um tigre”.

Tcioran não, ele quer ser Borges, ele quer ser Shakespeare, ele quer ser Marx, quer ser Sartre, quer ser Kierkegaard, quer ser Heráclito e Heidegger, quer ser Mao e Che, quer ser sempre o outro, está sempre copiando, como faz agora, quer ser a pedra e/ou o tigre, mas sobretudo quer ser Espinosa.

Querer perseverar em seu ser, ele entendeu em ser depois dos diálogos com aquelas inteligências, com aqueles espíritos, com aquelas consciências e com aqueles seres fundadores do homem que se constrói aos poucos, muito aos poucos nestes longos tempos de se ser e de se fazer o homem.

Eu permanecerei eu e jamais serei Tcioran. Sei que sou alguém. Reconheço eu e ele, minha participação no seu trabalho, minha estreita colaboração com o seu pensar e ser. Eu me encontro em muitas de suas palavras, em quase todos os seus gestos. A identificação é maior do que imagino, pois me percebo até no seu olhar e quando compõe seu melhor poema. Nunca tentei livrar-me dele.

Muitas vezes nos afastamos mas a troca de correspondência era mais do que diária, era um escrever contínuo, um entender-se pela razão sem a razão. Muitas vezes percebi que Tcioran tinha muito mais domínio sobre mim do que eu poderia aceitar, assim pude perceber que muitas das minhas análises e visões de sua vida na realidade eram visões e análises produzidas e estimuladas a partir dele. Decodifiquei isto e tranqüilizei-me.

“A minha vida é uma fuga e tudo eu perco e tudo é do esquecimento, ou do outro”.

Conto de “O fazedor” , Jorge Luiz Borges Obras Completas Volume II, Editora Globo

Borges e eu

Ao outro, a Borges, é que sucedem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e me demoro, talvez já mecanicamente, para olhar o arco de um vestíbulo e o portão gradeado; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo seu nome em uma lista tríplice de professores ou em um dicionário biográfico.

Agradam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o gosto do café e a prosa de Stevenson; o outro compartilha essas preferências, mas de um modo vaidoso que as transforma em atributos de um ator.

Seria exagerado afirmar que nossa relação é hostil; eu vivo, eu me deixo viver, para que Borges possa tramar sua literatura, e essa literatura me justifica. Não me custa nada confessar que alcançou certas páginas válidas, mas estas páginas não podem salvar-me, talvez porque o bom já não seja de ninguém, nem mesmo do outro, mas da linguagem ou da tradição.

Além disso, eu estou destinado a perder-me, definitivamente, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou cedendo-lhe tudo, embora conheça seu perverso costume de falsear e magnificar.

Spinoza entendeu que todas as coisas querem perseverar em seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra e o tigre um tigre. Eu permanecerei em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas me reconheço menos em meus livros do que em muitos outros ou do que no laborioso rasqueado de uma guitarra.

Há alguns anos tentei livrar-me dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei que imaginar outras coisas. Assim minha vida é uma fuga e tudo eu perco e tudo é do esquecimento, ou do outro.

Não sei qual dos dois escreve (ou escreveu) esta página.                        



11


"A marca característica do gênio é a lembrança universal de todas as suas experiências. Através da lembrança, a experiência vivida se torna atemporal. A memória transcende o tempo. E aquilo que transcende o tempo é somente aquilo que interessa o indivíduo, aquilo que tem significado para ele, em suma,aquilo a que ele dá valor. É o valor  que cria a atemporalidade. Assim, o gênio é o único homem atemporal. Com seu desejo apaixonado e urgente pela atemporalidade, ele é o homem com maior desejo pelo valor. Exemplo de gênios são o artista e o filósofo, que criam uma apresentação do mundo que é imperecível, imutável e atemporal. A memória se relaciona com a lógica e a ética. Por um lado, a memória constitui a base para o pensamento lógico. Assim, se o homem fosse desprovido de memória, ele perderia a capacidade de pensar logicamente, pois esta possibilidade está encarnada num meio psicológico. A memória constitui uma parte necessária da faculdade lógica. A lembrança contínua nada mais é do que a expressão psicológica do princípio de identidade. Por outro lado, a base de todo erro na vida é o fracasso da memória. Somente ela garante o arrependimento. Todo esquecimento é imoral. Nesta perspectiva, a verdade deve ser considerada como valor real da lógica e da ética. Assim, a memória não constitui um ato lógico e ético, mas é um fenômeno, simultaneamente, lógico e ético"


"Sexo e caráter, Otto Weininger, citado por Paulo Roberto Margutti Pinto, in "Aspectos da influência de Weininger sobre Wittgenstein, Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 24 n77,1997, página 203


12

-          Eu voltei de um outro mundo...Então, você quer saber o que existe do outro lado da vida...

-          ...Muitos tiveram a mesma experiência que eu, muitos que morreram e que voltaram a viver. Depois da morte, o que eu vi? O que é o outro lado. O outro lado era eu...

-          ...Eu estive comigo todo este tempo. Era eu e eu sozinhos. Estive apenas comigo, horas e horas...

-          ...passei mal, vomitei, senti cheiros horríveis. É triste, você dormir e acordar só com você mesmo. Horas e horas, você olha para o lado e quem está ali? Você. Do outro lado, a mesma coisa, no teto, no chão, em todos os lugares...

-          ...Você descobre que mais de duas horas com você mesmo, é preferível a morte. Mas eu estava morto, não havia escapatória para mim, nenhuma fuga possível.

-          A minha morte era eu estar diante de mim. Terrível condenação! Como fazer? O jeito foi voltar a viver...

-          E viver é isto, é a possibilidade de você encontrar o outro, poder encontrar o outro, poder dialogar.


13

Identidade,
a questão do ano 6528

"Trilhões de seres humanos habitam o espaço e sobrevivem, mutiplicando-se e desenvolvendo novas técnicas genéticas de multiplicação, pois mesmo com as últimas possibilidade de prolongamento da vida, com homens já atingindo até 580 anos de idade e mesmo com o mínimo de desperdício de espermas e óvulos, as necessidades de um maior número de homens e mulheres, ocupando o vasto espaço, novas áreas estão sendo implantadas a cada 50 anos e a demanda de homens pode atingir a cerca de 50% da atual população galática. Isto é, a cada meio século registra-se a carência de cerca de 1 trilhão e 500 milhões de seres humanos.

"A conquista do ano 2025, que revolucionou a reprodução humana através da sobrevivência de todos os espermatozóides em todas as ejaculações, ainda repercute no Universo.

"A valorização do homem, do cérebro e das suas potencialidades intrínsecas na 23ª Revolução Científica permitiu, ainda, que a idade média pulasse dos míseros 150 anos para os 556,8 anos atuais.

"Em meio à expansão da população explode a monumental importância da questão das individualidades. Em meio a trilhões de seres, o um ganhou muito mais força e projeção.

"O respeito às individualidades é uma das denominadas potencialidades intrínsecas, com fortes repercussões no conjunto. Todos contemplam o um. O ser é vital para todos, pois a inteligência foi a grande descoberta das 23ª Revolução."

"O homem não é uma ilusão", Gregório P. Pasquali, Edições Cidades, 1850

14

O andarilho Jesus

“Perambulo através
dos dias como uma puta
 em um mundo sem trottoirs”
Emil Cioran

José Luís de Jesus, 65, andarilho
17 (?) anos fora de casa, 6 anos nas ruas de BH

Saiu de SP, em 82, viveu em vários lugares e exerceu diversas profissões, músico, caixeiro viajante etc. (1999)

“Quando abandonei tudo é porque estava desesperado e achei que a minha vida não tinha mais sentido. Minha mulher me acompanhava em todos os momentos e eu fugi para evitar as lembranças. Depois, as coisas foram ficando difíceis e, quando eu decidi voltar, não tive condições”.

Seria a fuga das lembranças do amor, seria a fuga dos dias de felicidade, da insuportável ausência, o medo de acordar e a certeza de que acordaria.

Duro não é deixar de ser feliz, duro é não poder compartilhar a felicidade, duro é não mais poder amar, saber que nunca mais terá junto de si a sua mulher amada.

Como ficar dentro daquela casa, dentro do lugar da felicidade? Como conversar com pessoas que conheceram a nossa felicidade?

A impossibilidade de não lembrar - a vida só lembrança e lágrimas.


“Abandonei tudo

- estava desesperado

- minha vida não tinha sentido

- Minha mulher me acompanhava em todos os momentos - fugi para evitar as lembranças

- as coisas ficaram difíceis

- quando eu decidi voltar, não tive condições”.


Sem dinheiro, José Luís ligava para uma das filhas, (Maria Honório de Jesus, 41) dizia que estava bem, tinha emprego e que um dia voltaria para ver todos.

O número do telefone da filha era a sua única relíquia.

Maria de Fátima Cardoso de Oliveira, funcionária pública, encontrou com José Luís, em frente à PBH, e restabeleceu o contato dele com a família.

Banho tomado, roupa limpa

“É revoltante saber que meu pai passou por tanta dificuldade e tanta miséria” disse a filha.

O que faltou saber:

1. Por onde andou José Luís? Quais foram as profissões que exerceu? Como foram as adaptações a cada atividade? Como e onde trabalhou? Descrição dos locais de trabalho e das cidades? Como viajava nas várias condições? Os caminhos percorridos. O dia a dia, em vários momentos? O que foram os primeiros anos e o que foram os últimos anos. Os anos mais difíceis. As pessoas que conheceu. As mulheres.

2. O porquê da fuga - a mulher. Quem era? Como viveram? Quais são as lembranças mais marcantes dela? O dia em que não agüentou as lembranças? Por que decidiu fugir - momento - o fato - a gota d’água?

3. Os seis anos em BH. Uma descrição da cidade e das ruas de BH. Sua primeira impressão. O dia a dia das ruas de BH. Quem é quem na rua?

4. A comida. O que comer quando não tem nada para comer?

5. As situações difíceis, complexas e como foram resolvidas?

6. Reflexões

Sobre o passado - infância e famílias

Sobre os anos vividos

Sobre a família

Sobre as pessoas conhecidas

Sobre amigos e amizade

Sobre o futuro

8. Fugir das lembranças - fugir de quais lembranças - por que tudo o que lembra o amor feliz gera desespero?

9. Maria de Fátima Cardoso de Oliveira, funcionária pública, encontrou o andarilho e fez o contato do pai com a filha. Quem é esta mulher que ousou conversar com um mendigo, por que, o momento da primeira conversa, por que tomou esta decisão, o que a levou a acreditar em um homem maltrapilho, um mendigo, um homem fedorento. A versão de Maria de Fátima e a história de vida dela, de sua família e de sua infância.

(Estado de Minas 01.07.99 Matéria de Vanessa Jacinto)


15

2km + 2 km                8h30
No dia 7, 2km + 2km, 10h
No dia 6, 1km + 1km, 18h30m

Eu disciplinaria. Era a decisão. Na caminhada mudou-se tudo: as ideias que viessem soltas e com registro total. Sem nenhuma preocupação com conexão de sentidos ou em busca de sentidos ou de entendimento de porquês. Ideias se somando a ideias, multiplicando-se, sem nenhuma censura.


12h45

Jorge, meu filho, está triste. Não pode estudar. Não temos dinheiro. Ele me espera, sentado no banco em frente à janela da casa. Chamo-o até o carro. Ele se aproxima, mal cabe na poltrona.

- Pai, vocês acham que eu sou culpado pela separação de vocês.

Acham que eu sou culpado.

Por que Jorge pensaria que, por ser culpado, então, estaria sendo penalizado, estaria sendo prejudicado?

Culpado, responsável?

Por que essa visão?

Talvez pelos diálogos que trava, frases que ouve ( eu não tenho dinheiro, é obrigação do seu pai) e dos jogos que percebe e não pode revelar para não prejudicar ninguém.

Como retirá-lo desta situação e deste raciocínio? Ele não é culpado. Ele é vítima? Ele se sente vítima? Prejudicado? Quantos desafios para o meu filho?                                  

16

A maratona de um sobrevivente


- O que vier, agora, é lucro!

Esta frase, ele a repetiu tanto que, mais tarde, ao relembrar aqueles momentos, depois que despertou no chão cinzento da cela, acreditou que ela era a sua mantra, sua memória, sua oração, sua vida resgatada em meio a corpos que vira saírem carregados, empapados de sangue, corpos no chão do pátio, corpos no corredor, em que os torturados encapuzados tropeçavam.

- O que vier, agora, é lucro!

Como ele podia concordar com aquela frase? Lucro, um ganho a mais, mais valia. O que vivera, então, tivera preço justo. Agora, ele tinha direito a jogar tudo para o alto, sem temer a lei da gravidade. Nada era mais leve do que o sobreviver, nada mais aéreo do que a vida conquistada, além da resistência. Todo o corpo era um imenso hematoma, partes em carne viva, queimaduras entre as pernas, dores dentro e fora do corpo.

Agora era agora e ele estava vivo, mas não precisava debochar da sorte. Lucro? A sobrevivência como lucro. Que visão capitalista! Linguagem imperdoável, mas era por onde, descobrira mais tarde, ganhara forças para encarar aquela oportunidade de sobreviver. Talvez, não passasse da próxima etapa, ele vencera, isto é, sobrevivera às sessões de tortura da PCA, da Biblioteca, do Túnel, estas três ele vencera.

Todas elas, PCA, Biblioteca e Túnel eram locais e níveis de tortura organizados no Aeroporto do Galeão pelo grupo de torturadores do Ministério da Aeronáutica. A cada pouso de um jato no Aeroporto do Galeão era como se a terra desabasse sobre sua cabeça. A sala de tortura do Túnel, a mais violenta delas, se houvesse possibilidade de uma ser mais violenta do que a outra, era debaixo da pista de pouso do aeroporto internacional. Um avião atrás do outro. Uma loucura. Dali poucos saiam vivos e os que saiam vivos traziam alguma marca.  Agora, ele respirava mais uma vez, enchendo os pulmões.

- O que vier, agora, é lucro!

Tempos depois, sentiu fome. Não sabia quanto tempo passara. Ali, raramente serviam qualquer coisa, além de pancadas a qualquer hora, sem qualquer razão, sem qualquer pretexto. Sentiu a chegada da fome como mais um sinal de sobrevivência. Não preocupou-se em passar fome, tão certo de que sobrevivera. Mexeu a perna e sentiu como se sua calça fosse uma madeira, dura. Uma madeira que machucava, pois arranhava a carne viva. A calça dura, agora madeira, era o sangue que secara e deixara sua calça como as roupas engomadas que vestia nos dias de desfile cívico lá na sua distante Jampruca, no Vale do Jequitinhonha.

- Se tudo o que vier é lucro, o mais a fazer é sustentar esta hipótese de sobrevivência. Ele tinha certeza absoluta de que sobrevivera. Lógico, não era um jogo de azar e nem o regime militar havia terminado. Resistir não é prova de força e nem pode ser parâmetro de medida de força. Não há explicação plausível para este fenômeno, pois muitos, muito mais fortes do que ele, muito mais resistentes do que ele, não aguentaram. Quantos somos?

- O que vier, agora, é lucro!

Por que aquela frase batera em sua cabeça e não mais saíra?

- Era às vezes como uma provocação a mim mesmo e aos meus agressores. Havia agora a vida, depois desta loucura, que deveria ser vivida, sobrevivida.

- O que vier, agora, é lucro!

- O que vier, agora, é lucro!

O mundo mudou, muita coisa passou, muitas etapas foram percorridas. Às vezes, ele se surpreendia ouvindo distante, longínqua, a frase maluca.

- O que vier, agora, é lucro!

- Vinha como se chamasse a minha atenção, como uma voz tímida e baixinha, a alertar-me de que talvez eu tivesse esquecido algo fundamental. Outras vezes sobrevivera.

Aos 12 anos, em suas aventuras de menino, mergulhara para retirar um homem afogado, e voltara abraçado em um porco inchado, desmanchando. Dias e dias de febre. Fizera um pacto com a vida. Optara por sobreviver.

Ninguém jamais soube explicar sua recuperação, nem a mãe, desesperada, e nem o médico, que já preparara os familiares para o desfecho final. A febre desapareceu. 

Que pacto misterioso foi este? Com quem negociou ou tramou a sobrevivência?

Outra vez, depois de dois meses amarrado em uma cama no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, fora retirado para a “execução”, colocado no chão de um automóvel, com os pés dos policiais sobre o corpo, pés no pescoço e nos rins.

Horas e horas rodando pelas ruas e avenidas molhadas do Rio de Janeiro, numa noite de chuva fina, até chegar ao local da execução.

No pátio, parecia um pátio, encapuzado, o seu corpo já encharcado de gasolina e álcool.

“Não vou morrer, sem lutar”.

A pouca chance que teve foi o bastante para despertar na cama do hospital militar.

Ao abrir os olhos, viu o rosto amigo do general Figueiredo, amigo da família. Os olhos do general estavam  úmidos e uma lágrima escapuliu.

Mais uma vez sobrevivera.

Agora, quando despertou na cela da PE da Barão de Mesquita, teve a certeza de que o jogo continuaria e que ainda estava a seu favor.

- O que vier, agora, é lucro!

Ele tinha certeza. Mais do que isto, ele tinha uma linguagem com o que ele não entendia, em que um diálogo inexplicável, fora do entendimento, se passava e, por mais fraco que estivesse, a vida venceria sempre.

Era profundo. Nunca fora místico, não tinha raízes para isto e nem formação adequada. Era preguiçoso. Nunca fora o melhor em nada, não tinha motivações para qualquer tipo de disputa, nem tesão para ser vencedor de competições e nem saco para comemorações.

- O que vier, agora, é lucro!

- O que vier, agora, é lucro!

- O que vier, agora, é lucro!

Nunca cedera em nada do que acreditava, mas acreditava em tão poucas coisas, que sempre era visto como inadequado na convivência.

Incrédulo?

Nem tanto, porque nem ao não havia sim.



17

Final de julho


Quem sou eu?

Insisto ainda nesta manhã de domingo

Kierkgaard sabem quem ele é

Eu não sou filósofo

E eu? Eu não sou escoteiro

Não sou ginecologista

Não sou militar, nem político

Não sou o amante da argentina

Não sou um homem

verdadeiramente triste

Não sou trapezista e nem aviador

Não sou piloto de jato e nem de helicóptero.

Não sou piloto.

Quais são, então, os meus voos?

Não sou o que serei amanhã

Amanhã, eu não sou o que sou hoje

Crise total de identidade

É o homem do século

Perdidos em si (são sempre muitos)

Encontrando-se em espelhos

em tempos virtuais

Esmagado pelos heróis

de películas e plásticos

horizontalizados em imagens

que devora os próprios heróis

que não se reconhecem

em tanta beleza e força

Eu não sou saudoso

nem dos tempos futuros

Eu não me apaixono

por mais de 24 horas

Não sou um poeta

Não sou um bom poeta

cujos versos são belos versos

Não sou um bom poeta

não sei ser romântico

Nem chego a ser poeta social

íntegro

na revolta e em suas consequências

Sou desconfiado com a palavra

a da medida e a do som

da beleza dos poetas músicos

cheios de muitas

profundidades e melodias

belos versos, belos poemas

belas palavras, belas palavras



A palavra é bela

é a beleza das sereias

e eu não sou Ulysses

Nem retorno e nem resgatei

a honra da minha cidade

Passo olhando, olhos que já custo abrir,

os homens e suas obras

- Há homens que constroem igrejas,

túmulos, prisões, colégios, museus,

palácios e igrejas, casas e igrejas

Constroem homens e mulheres

vícios e domínios, vícios e sonhos

que serão sempre sonhos, sonhos

e nada mais

Quem sou eu? Nesta doce, silenciosa

e pura manhã de domingo em julho?

Quem sou eu?

Eu sou a minha liberdade

a possibilidade concreta

de negar

recusar ser o que não sou

Sou a liberdade

O homem é liberdade

Todos podem negar

negar em si o artista que não é

o protótipo midializado

e até negar a ser o contrário



Eu não sou poeta

todo poeta é um revolucionário

Eu não consigo ser revolucionário

por mais de algumas horas

Eu sei que eu não sou um poeta,

um bom poeta.

Talvez, eu consiga ser

um homem.

Amanhã.




18


Quem é o meu pai?

(Na segunda-feira, ele foi internado e à noite submetido à segunda cirurgia do abdome, diagnosticado abdome agudo, para combater uma infecção interna na sutura da cirurgia intestinal anterior. Pai está entre a vida e a morte. Seu quadro clínico é definido pelos médicos como grave, “ele corre risco” e ele quer viver.)

Quem é o meu pai? Eu o conheço.

É uma criança. É um menino levado - estou dizendo para dar-lhe entusiasmo, para sermos otimistas.

Cito, então, situações em que ele tenta enganar o enfermeiro, controlando a velocidade do soro fisiológico, controlando a presença dos enfermeiros, as ações do médico, querendo saber de tudo, o que vai ser feito, o porquê, os resultados e fazendo questão de ser cortês e agradecido às ações de todas as pessoas que se aproximam do seu leito.

A um enfermeiro novato que chegou, formal, se apresentando, indicando tudo o que faria e registrando os seus “sinais vitais”, no final do expediente, pai chamou-o e elogiou o seu trabalho, “foi o melhor enfermeiro que eu tive até agora”. O rapaz desmanchou-se, surpreso. Não estava acreditando. Parecia que naquele momento, efetivamente, ele recebia o seu diploma.  

Quem é meu pai? Você o conhece? 

Ele tem 87 anos. Ou 90? Eu tirei esta dúvida, diz Rita empolgada. Nininha me disse que se pai tivesse 90 anos, ele seria irmão-gêmeo do Afonso. Tem mesmo é 87 anos.

Minha irmã Rita de Cássia é a mão esquerda, mão direita, braços e pernas de pai. Faz tudo, resolve tudo. Para Rita, ele é o homem que não aceita ficar esclerosado, envelhecido mentalmente, que, surpreendido em atitudes duras, admoestado, alertado, consegue mudar, reconhecer o erro ou de avaliação de pessoa ou de condenação precipitada de fala e gesto.

Para ela, ele é um homem bom.

Quem é o meu pai?


19


Amanhã é aniversário de Jorge. Fará 19 anos. Hoje na pista de Cooper da avenida dos Andradas, na margem esquerda do rio Arrudas, afluente do rio das Velhas, na bacia do rio São Francisco, na manhã cedo e ainda vazia, encontrei-me com Régis. Régis falou, falou muito e queria falar. Falaria mais se tivesse ainda mais uma manhã, mais um dia e mais um século.

Estou separado, agora estou morando na casa de um amigo e em diversas casas. Você se lembra do Washington, fotógrafo? Às vezes moro no apartamento dele, durmo lá umas noites. Durmo também no apartamento de Teresa, a mãe de Ana Luisa, minha filha de três anos e meio.

Na minha casa ninguém queria casar, somos cinco irmãos homens, agora começaram a nascer as crianças.

A última vez que fui ao Norte, Amapá, foi em 95 quando levei Ana Luisa a Macapá para o meu pai conhecer a sua neta. Levei mulher e filha. Meu pai bateu direto, ele não aconselhava mulher nenhuma a casar com nenhum dos filhos dele. Nenhum era certo. Todos só viviam de pau duro, se era para ter orgasmos direto, então tudo bem, só para e por causa do orgasmo, para viver e ter plano de vida não, não valia a pena e ele desaconselhava.

Separar foi duro. É duro. E separou da mulher e da filha.

Meu avô dizia que não se devia por muito óleo no pavio, era encharcar o pavio e o fogo apagava. Não acenderia fácil. Nos dias seguintes à última separação, na primeira semana, foi duro.

Sofri o diabo, não conseguia pensar outra coisa e só arranjava razões para telefonar. Ela já me atendia com rispidez e com enfado. Segui o ensinamento do meu avô e dosei o óleo. Não liguei mais. O que fazia, impus-me uma rotina espartana, horário de acordar, caminhar, ler, trabalhar, comia a mulher que me ligasse à tarde e comia desesperadamente. Vamos trepar de novo, eu não sou objeto, não é isso, você não imagina o tamanho da minha dor.

Um tempo depois, ela aparece no jornal. "Precisamos conversar". Não temos nada mais que falar.

- Poderíamos almoçar?

- Vamos, está na hora.

Depois do almoço ela me convida para passar na casa dela, que foi nossa, à noite. Agora, ela é uma das que ficam após a triagem que fiz e em que eliminei as mulheres da pesada e das drogas.

Hoje, estou vivendo a liberdade, morando ainda aqui e ali, nem sempre por exemplo posso dormir no apartamento do Washington, ele está noivo e eu já disse para ele não casar. Quando ele leva a noiva para o apartamento, eu não posso ficar, é constrangedor. Agora, quando ele vai dormir no apartamento dela, eu durmo no apartamento dele.

Assim, às vezes durmo no centro da cidade, no apartamento de Washington, outras vezes no Sion, na rua Estados Unidos, outras vezes no apartamento de Tereza aqui no São Lucas.

Cheguei à conclusão de que é verdade aquilo que dizem que quem gosta de pica mesmo é viado e de que mulher gosta mesmo é de dinheiro. É por aí, este raciocínio chega perto da verdade, daí porque existe e se chegou ao casamento. O casamento é um papel que garante o dinheiro para a mulher, um relacionamento em que ela tem um homem para sustentá-la, bancar a boa vida, daí porque com o tempo, as mulheres casadas acabam procurando um homem com cacete suficiente para administrar suas tesões.

Cansei de sair com noivas. Uma noiva uma semana antes do casamento fez questão de dormir três noites comigo. Eu entendia, ela precisava garantir sua vida, sua estabilidade, sua segurança.

Agora, uma menina do Tempo, que saiu comigo durante um ano, mandou um convite de casamento e dentro um bilhete fixado com cola. Precisamos nos encontrar antes da minha lua de mel.  São os cornos pré-datados.

O que mais me impressiona é a quantidade de mulher mal comida, mal amada e mal relacionada. São mulheres com camisinhas, com data de vencimento, vencidas. Elas têm as camisinhas na expectativa de que um homem determinado apareça e as camisinhas acabam vencidas, são trepadas com prazo de validade vencidas. Aí há um grave risco, todas estas camisinhas rompem e é uma merda.

Estou livre e preciso construir esta minha liberdade com trabalho e organização. Parei de beber e estou emagrecendo, vou fazer 38 anos e tenho que tomar alguns cuidados e fazer alguns exames tipo chekup. Cheguei a pesar 20 quilos a mais do que o meu peso normal, já perdi 10 quilos e vou emagrecer mais, voltei a caminhar e a correr todos os dias e morando aqui e ali, já fiz um mapa das  pistas de Cooper das imediações dos apartamentos onde durmo.

No centro, a pista do parque é uma pista popular que está melhorando a frequência. A pista da avenida Bandeirantes é  de pessoas com uma faixa de renda melhor, a pista aqui da avenida dos Andradas é de um pessoal inferior economicamente ao pessoal da Bandeirantes. É a nossa cidade, ela se divide, se exclui e se contamina.

Depois de  três separações, aprendi a viver com poucas coisas, tenho quatro malas e uma mochila. As malas guardam um pouco mais de coisas e as mochilas têm o essencial, é a escova de dentes e duas mudas de roupas limpas. 

20

Quem sou eu?

O que serei?

O que posso ser?


A identidade me foge e onde me perco?

O que o passado impõe e limita?

O que serei? É uma pergunta que pretende uma resposta acabada? Serei Y, algo que me contenta e me faz feliz e livre.

O que serei? Indaga possibilidades, alternativas, pressupõe alternativas. Serei o que posso ser ou poderei ser além do que posso ser? 

(E o aquém? Serei aquém das minhas possibilidades de homem, de ser humano?)

A um homem que só lhe restar a felicidade, responderia positivamente?

- Só me resta a felicidade.

Soa como uma condenação.

O que posso ser? É indagação que sugere a elaboração de uma lista de possibilidade e de possibilidades relacionadas a oportunidades.

Na coluna de possibilidades, a felicidade. Na coluna de oportunidades de se ser feliz, total. As oportunidades são amplas e percorrem todas as coordenadas, todos os pontos e momentos de uma vida.

Ao longo da vida, o homem desperta com este tipo de questionamento. Nem sempre dá importância a este fato. Há sempre a possibilidade de mudanças e de aprimoramento. Nem sempre respondem a este questionamento. 

Aos oitenta anos ainda pode questionar-se, ainda lhe restará algumas possibilidades, às vezes radicais. Há cada tempo, este questionar-se traduz-se pelo, permanente, avolumar-se, pelo permanente crescer. Chega a tornar-se maior do que a vida, dominar a vida, impedir a vida, paralisar a vida.

“Eu preciso responder e andar, fazer alguma coisa”.

O que o passado impõe? Está na feitura da lista das possibilidades. Há uma “riqueza” construída, há um caminho feito e que indica um caminho a fazer, há relações construídas e há uma malha tecida. Aí as limitações e/ou as fabulosas aberturas liberadas pelo passado. Serão limitações e elas, certamente, existem, quando consideradas impeditivas do crescimento e/ou destruidoras de qualquer futuro...

- “Eu posso ir embora. O senhor não pode. Eu tenho o mundo, o senhor tem aquela mesa pesada. Para sair, o senhor teria que se desfazer dela ou arrastá-la sempre, eu estou mais leve e o senhor é um homem pesado e preso naquele pé de abiu, que alimentou suas fantasias de menino e sua infância. Eu estou leve e nenhuma árvore de frutas me prende porque eu não tenho e nunca tive um pé de abiu. O mundo todo é meu, o senhor tem apenas esta fazenda e por ela o senhor perde a vida”

(O empregado da fazenda do tio da Áurea, ao ser despedido)

... ou poderão metamorfosear-se, de limitações passarem a ser trampolins para maiores e mais distantes saltos, fabulosas aberturas - é a aventura do intelecto, do espírito em crescimento permanente, mesmo na mais profunda obscuridade, mesmo nas limitações do apenas registrar, registrar, acumular, acumular, é a grande aventura fabulosa do crescimento vertiginoso do espírito e de sua história e um homem só.


O que um homem mais velho, tendo ultrapassado etapas de iniciação e de produção, avaliaria, em função de permitir a outros reduzir etapas, eliminar volteios e tempos perdidos?

- Digamos, eu me assusto com a quantidade de pessoas atrás de uma profissão, de um documento profissional, de uma definição de atividade.

Outra questão:

A declaração de amor. Por que declarar amor? A pessoa precisa dizer o amor que sente?

Rita conta histórias de pessoas que tiveram a experiência de sobreviver  depois de um período entre a  vida e a morte. Um programa do “Globo Repórter”: uma mulher no CTI percebe o que acontece em volta do seu leito, o drama dos outros pacientes, cenas que apenas ela assistia, que mais tarde checou, a relação dos pacientes próximos. O episódio do seu grande amor pela “vó Gorda”. A família não havia avisado o que acontecera com a neta, preocupados com a saúde da avó. Ela imagina-se e se vê indo até a avó, vê a avó e ela a ouve chamá-la. Em seguida, quase instantaneamente, a avó liga procurando saber notícias.

- Entra o que indago: o amor deve ser declarado?

Já imaginou, você que vive um grande amor por outra pessoa e que nunca se revela, nunca se declara? Os amores de Dante e de outros grande apaixonados, que sempre viveram apaixonados e que jamais declararam, em tempo útil, o amor amado à pessoa amada.


21
Como um jogo de xadrez

Esta estranha sensação em que não se consegue ficar mais em lugar nenhum, em todos os lugares que chega, logo depois tem vontade de sair, e sai por toda a cidade, sonhando em chegar na caverna, no seu esconderijo, onde, ultimamente, se sentia melhor, sozinho. Mesmo ali não consegues ficar mais do que algumas horas.

Sair para a casa paterna, na casa paterna é difícil quase impossível ficar, já pensa em ir para a casa dos filhos, na casa dos filhos pensa em ir para a casa da Pula, na casa da Pula é pular e sair, sair para a rua, onde o que mais faz é caminhar, caminha, caminha e já queres ir para outro lugar, deste outro lugar já pensas em ir para o Tribunal, no Tribunal em ir para a editora, da editora em ir para a caverna, para o esconderijo, em lugar nenhum sentes bem, não se sentes bem com o ar, com a terra, com o mundo, com este mundo, então por que não fazes um outro mundo? O que o impede? O que o impossibilita?

Fazer um outro mundo exige apenas criatividade - só.

Às vezes ser criativo é cansativo, e se os instrumentos da criatividade se se limitarem às palavras, ah!, então, é como assegura-nos Balzac, escrever é mais difícil do que conduzir exércitos na mais grandiosa das batalhas de Napoleão.

Observo as pessoas que escrevem, os escritores de histórias i
nfantis, os poetas, os romancistas que passam pela editora.

Chega um senhor, já velho, quase morto, cansado, trazendo um livro pronto, o seu livro - apanho este porque ele não é um escritor profissional.

Hoje, temos escritores com 27 anos e 31 livros, alguns de grande vendagem em todo o País. Este senhor que carrega sua história tem do livro uma outra dimensão e se decidiu sair de casa, com aquele calhamaço debaixo do braço, chega certo de que tem o livro, o seu livro, concluído.

O que é um livro para ele? É um bem precioso, suas palavras, com toda a certeza, foram garimpadas, não estão entrando de qualquer jeito nas frases e as frases foram escritas mil vezes, desde que ele muito jovem, anotava, num pedaço de papel, em qualquer pedaço de papel, suas histórias, suas reflexões.

Tudo o que está anotado no seu livro tem vida e é verdade, é a sua verdade, mesmo aqueles casos estranhos, mas que foram contados a ele por pessoas de credibilidade.