quinta-feira, 21 de outubro de 2021

DO COLECIONADOR


Gado Guzerá


SEU JACINTO TEM OS PAPÉIS



Rufino Fialho Filho

- Difícil dar um diagnóstico para o Mathias. Ele não fala.

O Dr. Lucas, com muita paciência, aprendeu isto na cadeia. O médico prescreveu Giarlan. Um comprimido  de 12h/12h.

- Ele não fala mas coça, disse Dr. Lucas.

- Escreve. Mathias escreve, doutor.

- ?

No estacionamento, Seu Jacinto passou para o médico um caderno com as anotações do prisioneiro Mathias Leonardo, condenado a 30 anos de prisão.

- Leia.

- É do Mathias?

- Disse para ele que passaria para o senhor.



500 cabeças


"Aquele dia foi um dia muito triste na minha vida.

"Cheguei da Bahia, tinha 24 anos. Um tempo em que mais gostava dela, lembro de todos os seus gestos. Estava na mesa do jantar. Meu pai na cabeceira. Minha mãe, todos os meus irmãos. Lá via minha irmã coma beleza da mulher de 18 anos. Ela estava na minha frente e fazia graça com um rosto cheio de charme. Época em que havia o medo de rir na frente do meu pai. Nem fumaça. Seria um grande desrespeito. Eu já um homem para tudo, com uma jagunçada sob meu comando. Cerimoniosamente, ele servia vinho em nossas taças. Vestíamos as nossas melhores roupas. Ganharia a noite nos cabarés, dizíamos puteiros, da cidade.

"Bebia o vinho quando ouvi que a fala apressada de pai se dirigia a mim.

"Mat, disse ele, quando usava um só sílaba, já sinalizando uma advertência, algo mais grave.

"Mat, soube que anda de encontros com a Ivanilda e que diz para os seus irmãos que "gosta muito dela". Você sabe também que ela é filha de um meu velho inimigo, de mais de 20 anos. Uma coisa eu te digo e quero dizer agora na frente de todos os seus irmãos e da sua mãe, no dia em que decidir casar com ela, não o considerarei mais meu filho. Nesse dia não será mais filho de José, Zé, Pereira da Silva.

"Mãe tentou conter o velho, contornar aquele clima.

"Para que falar estas coisas agora, Zé? Estamos terminando o jantar.

"Disse num jato também, imitando o modo de falar de pai. E calou frente ao olhar furioso dele.

"Quase dizendo palavra por palavra, sílaba por sílaba, não mais um jato de frases, ele falou

"Qualquer hora, mulher, é hora de dois homens se entenderem ou se desentenderem. Meu inimigo será sempre inimigo dos meus filhos. Sou inimigo daquele sujeito. Nem sei porque ainda não mandei matá-lo"

"Na minha frente sabia estar um homem feroz, uma fera, capaz dos piores crimes, já mandara matar muita gente, principalmente invasores de sua terras sem fim nos sertões do Mucuri.

"Amanheci nos puteiros, amargurado. O pai de Ivanilda, aquele homem de quem meu pai era inimigo, gostava de mim. Confiava em mim e, uma vez, me disse que me queria como seu genro. Não mais dizia meu nome, era sempre um carinhoso "Meu genro".

"Nem sei qual ardil usei que consegui, meses depois, acabar com aquela louca inimizade entre estes dois homens.

"Foi no início de uma transação de compra e venda de gado quando acertaram sua pendência.

"Trocaram suas terras que dera início à velha inimizade e meu pai acertou a compra de 300 reses entre vacas e  novilhas.

"Fui buscar os animais e quase que este negócio acertado poria tudo a perder, Breno, filho de Antônio Tomich, escondeu as cabeceiras, deixou a fazenda e foi para Ataléia "passear".

"Conferi o gado e recusei transportá-lo. Antônio Tomich autorizou que recolhesse todo o gado da fazenda e, na redondeza, todo gado que tivesse o ferro dele. Em três dias, encontrei a cabeceira e recolhemos no pasto mais de 500 cabeças. Estava autorizado pelo meu pai a comprar todo o gado que encontrasse. Compramos. O vaqueiro dos Tomich,  seu Valdir, nos acompanhou na localização e na conferência e revelou que o responsável fora o Breno que dizia que só venderia todo o gado.