quarta-feira, 20 de outubro de 2021

O COLECIONADOR

 






 

 

O enfermeiro que reúne mil histórias

 

Rufino Fialho Filho

 

 

Mudando para Neves, vinte anos antes, seu Jacinto trouxe toda a família. Trabalhara em vários locais, Pronto Socorro, Clínica Pinel e inclusive se arriscando com clínica particular, em várias cidades. Sempre na área da saúde.

 

Diante do prédio, Monumental da penitenciária, dizia ele para a mulher que, a partir de agora, não precisariam mais fazer tantas mudanças, teriam para viver a tranquilidade de uma cadeia. Não mais viveriam de um lugar para o outro, de um emprego para outro.

 

 Chegou para ser o funcionário público, trabalharia no Serviço de Assistência Penitenciária como atendente e teria, dentro dos terrenos da penitenciária, teria uma casa e tudo, luz e água.

 

Acordaria cedo todas as manhãs. Assim seria anos seguidos, apesar da televisão ligada até a madrugada. Gosta do trabalho e o médico responsável assinou um documento, datado de 15/10/71, autorizando-o e ao Seu Machado a prestar assistência de urgência “podendo para isso, lançar mão dos medicamentos existentes na farmácia do SAP, tais como, analgésicos, antiespasmódicos, antibióticos, bronco-dilatadores, antidiarreicos”.

 

Esta clínica do Seu Jacinto forneceu em junho de 73 a seguinte estatística: receitas enviadas por BH: 21; receitas do Dr. Lucas: 100; receitas do Seu Jacinto 600.

 

Ele diz que quer estar a patadas do lado dos presos do que de abraços do lado dos outros, se referindo aos administradores.

 

Sabe que os presos gostam dele, por causa do atendimento rápido de onde saem antibióticos, xaropes e analgésicos. De sua casa à penitenciária não tem mais de 500 metros e tem vezes que leva mais de uma hora para vencê-los.

 

Sua conversa é tensa. As últimas palavras estouram. É baixinho e tirou os dentes há bastante tempo. No lábio superior, uma tira fina de bigodes cultivados às pressas, bigodes pequenos da época da 2a guerra. Careca, todos os dias ao meio dia não deixa de ouvir um programa cômico, da Rádio Tiradentes, onde aparece um personagem chamado Jacinto.

 

O Dr. Lucas chama o Jacaré.

 

Seu Jacinto pede para contar o roubo que fez na mansão da avenida Olegário Maciel.

 

         - Estava perto do campo do Atlético, na Gonçalves Dias. Chamei um amigo para ver um treino do Atlético. Em direção ao campo, vimos um carro parar em frente da mansão. Fiquei atento para ver se dava para roubar alguma coisa. Ouvíamos a conversa animada daquele pessoal. Da mansão apareceu um homem alto, bem vestido, parecia que tinha saído do banheiro daquele jeito, de terno e tudo. Falavam em viagem, atraso, rapidez, correria, telefonar para o aeroporto. Vai sobrar a mansão prá nós, avisei ao meu amigo. Afastamos e de longe acompanhávamos todos os movimentos. Desceram as malas, o pessoal da mansão saiu, o casal e uma mocinha, entraram no carro. Seguimos o carro, de táxi até o aeroporto da Pampulha. Vimos a família embarcar no avião. Fui direto para a mansão e o chapa foi buscar um caminhão. Abri a porta da frente com um pontapé. Tiramos tudo o que vimos de mais valor. Em um sala só ficou poeira. Numa sala nós não mexemos, só tinha livros. Em casa desse povo tem isso, um lugar imenso para os livros, esse lugar tem um nome. Achamos num cofre uma montoeira de dinheiro, dinheiro nosso e dólares. Na divisão, o meu parça quis ficar apenas com os dólares. O motorista do caminhão pegou metade do dinheiro nosso e uma cristaleira, eu fiquei com o resto, dinheiro, móveis, tapetes, cortinas e o diabo. De uma cortina fiz um cobertor. Que cobertor! No frio, basta ele. Os móveis não couberam no barraco, deixei no lote, comprei uma lona e armei uma barraca. Em dois dias fiz muito dinheiro apenas com a venda de duas peças.