Da tropa para caixeiro-viajante
Rufino Fialho Filho
I
Tirar o café
imediatamente. Era a condição dada pelo casal de cafeicultores.
"... o
nosso principezinho tem que ir".
Era a minha
mãe entusiasmada com o esforço do menino de 12 anos em assumir tarefas.
Fui. Sabia
que não era "principezinho".
A tropa era
formada por dois lotes, de dez burros cada. Eu ia a cavalo. Quando me cobriam
nas curvas, passava o cavalo a um dos nossos tropeiros. Ser tropeiro era o meu
grande sonho de criança. Pegava a taca.
Com os estalos tocava o lote de burros.
Cheguei na
casa da fazenda deles tocando assim, a pé, os burros, envolvido numa poeira vermelha
gigante. Os burros davam o ritmo e eram rápidos. Era muita poeira que só vendo.
A poeira entrava goela abaixo e machucava as nossas gargantas.
Na
sequência, preparamos a tropa para receber o café, ensacar e colocar no lombo
dos burros.
Eles falaram
"primeiro vocês vão tomar um lanche". Era, na verdade, um almoço com
muita comida.
Antes, numa grande
bica de água, que trazia a água por gravidade, tirei a camisa e me meti ali, a
lama corria pelo meu corpo.
Veio a dona
Maria, "aí, não, meu príncipe, eu vou lhe dar um banho aqui dentro".
O piso da
casa era mais branco do que esse papel das suas anotações, moço. O branco daquelas
paredes doíam os olhos. O asseio impressionava como toda a limpeza daquela casa
"pobre" da fazenda de pequenos posseiros que não tinham10 alqueires
de terra. Produziam de tudo, de tudo mesmo e com abundância.
Não tinham
sal e querosene. Nem energia elétrica e nem tecidos.
Produziam
muita cana, mandioca e café. Mesmo na terra seca, plantavam café que não
correspondia sempre ao esperado. Eram persistentes e aos poucos dominaram
"o chão".
Ela quis me
dar um banho. Eu, menino de 11 para 12 anos, envergonhado, permiti que aquela
senhora me desse banho? "Que isso, meu filho, meu príncipe". Ela
insistia. "Eu tomo banho sozinho". Acabei debaixo do chuveiro
adaptado feito com tambor de querosene. Aberta a torneira de pau, descia a água
limpa, gostosa, água mais puro que se podia imaginar.
Ela me deu
uma toalha.
Ela disse
"Agora
vocês vão tomar um café"
A mesa era
um banquete. Ali, tudo o que se podia pensar de bom, gostoso. Variados tipos e
qualidades. Cuscuz, mandioca cosida, batata doce assada, leite, requeijão,
queijo, rosca, biscoito de polvilho, rosquinha, bolos, frutas variadas.
Uma coisa
fantástica, tudo para nos receber "o príncipe e sua corte de tropeiros".
Não entendia
e a surpresa da acolhida se tornou uma memória repetida em várias épocas para
dizer de como as pessoas nos recebiam em suas casas simples, modestas sempre
com mesas fartas e variadas. Juntava-se ai o carinho e a atenção. O menino
registraria outras manifestações em fazendas da nossa região.
Medimos o
café para carregar a tropa. Tudo pronto, nos chamaram para o almoço. Exigiram
que aquele menino, uma criança, que sou eu, ocupasse a cabeceira da mesa. Meus
companheiros, os dois velhos tropeiros, sentaram ao meu lado. Decidiram que eu
seria o primeiro a servir. Assados tinham a paca, leitoa, frango, pato e ao
lado o tutu, feijão tropeiro. Ela colocou na mesa a porcelana chinesa.
Insistiam para que eu servisse. Desconfiado, receoso de quebrar um prato.
Estava ali, eles sabiam muito bem, um menino da roça.
"Ah!
Meu filho, já sei porque não serve, estes pratos, raramente usamos. Comprei há
muitos anos, logo que me casei. Só usamos em ocasiões especiais e vocês são da
fazenda do nosso compadre".
O bule que
veio com o café também era de porcelana. Ali, na roça, em meio a tantas
dificuldades, um simples café da manhã, um simples almoço era o suficiente para
revelar a maior riqueza do nosso povo, a
fartura dos alimentos e a recepção calorosa e amiga.
II
PALMA DE OURO
Aqui,
contarei um pouco da história da minha vida. Você, meu amigo, achará gozado. É
a minha realidade. Eu sou um sujeito assim, o seguinte: sempre fui trabalhador.
Não sei ficar parado. Comecei do nada. Fui subindo, crescendo em termos de ganho.
Trabalho desde pequeno.
Como contei
antes, aos 12 anos, meu pai me entregou duas tropas de burros, 10 burros em
cada tropa para buscar café, que comprávamos de cafeicultores da região.
Chegava a andar dois três dias para buscá-lo. Meu pai tinha uma plantação de
marmelo, no sul de Minas.
Antes do
café, comecei ajudando a transportar o marmelo que eram plantados no alto dos
morros. Não sei porque as plantações eram sempre nestes locais. Nessa época,
não tinha estrada para carro, só caminho para os animais, subíamos com as
tropas. Você sabe o que é uma tropa de burros. Cada jacá carregava 80 quilos.
Cada burro 160 quilos. Entregávamos nas fábricas. Aos 17 anos, já tinha formado
uma tropa. Recolhia os marmelos de outras fazendas.No início, apenas um outro menino
ajudava a carregar as cangalha, depois consegui dois peões.
Tive que ir
para a cidade fazer o serviço militar. Na cidade e com esta nova tropa de
gente, meus olhos ganharam um mundo novo. Decidi. Nunca mais voltaria para a
roça e pegar o trabalho duro no mato. Na cidade, pegava mulher. Soldado tem
muita oportunidade. Namorei pra diabo. Exército
é igual cadeia, ensina muito a gente. Eu aprendi bastante.
Falei com a
minha mãe sobre a minha decisão.
- Quer nos
deixar?
- Quero
viver na cidade.
- Eu converso
com seu pai.
Mãe é sempre
assim, defende a gente. Toda mãe faz isso. Você deve ter observado, pois sua
mãe já deve ter defendido o seu lado.
Quando a gente precisa, tem um problema ou precisa tomar uma decisão, elas
ajudam.
Meu pai me
chamou.
- Como você
decidiu, meu filho, nós amos ajudá-lo. É nossa obrigação.
Comprou um
Jeep e me deu dinheiro.
- Veja se
segura este dinheiro e se multiplica. Se vier a faltar, volta aqui. Estarei na
fazenda. Nunca deixarei de ser o seu pai.
Ele me
olhava desviando os olhos, ele era muito sentimental. Também não olhei ele nos
olhos, pois seus olhos, sua lágrimas, podiam me abalar ali naquela hora ou
depois quando estivesse na estrada.
Ao nosso
lado, nos acompanhando, meu tio Sebastião, Tião da Jandira, comerciante em São
Paulo. O Jeep compramos do tio. Deveria ir com ele para São Paulo, "lá que
é a cidade para trabalhar e ganhar dinheiro". Tio Tião era um homem
experiente e sensato.
Compramos
800 contos de panos de vários tipos. Comprou até sutiãs. Na tabela de preços,
ele estabeleceu o preço mínimo de venda e o máximo para conquistar o comprador,
"assim será um eterno fornecedor destes produtos e abrirá espaço de
confiança para encomendas".
Ganhei
dinheiro a beça. Em menos de um mês fiz 5 viagens para recompor o estoque.
Vendia nas fazendas e para pequenos comerciantes. Com o preço mínimo de 50 e o
máximo de 150,00 nunca vendi por mais de 100. Quando vendia à prestação, a
entrada já dava lucro. Troquei o Jeep por um Volkswagen 1962. Vi que podia avançar mais,
foquei no trabalho, nada de gastar com bebida, mulher ou com qualquer outra
coisa. Nada disso. Todo o ganho se voltava para investir em mercadorias.
Você conhece
Itanhandu, perto de São Lourenço, e da nascente do rio Verde. Apaixonei pela
cidade e na casa de um fazendeiro, cuja família comprava muito e sempre, passei
a convite dele a ter ali a minha pousada. O coração não perde tempo, nem os
meus olhos. A filha dele era uma estátua de ouro. Controlava para não fazer
besteira e perder o meu melhor comprador.
Em Itanhandu,
estacionava meu carro em frente ao hotel. Todos da região conheciam aquele
carro sempre cheio de pacotes, mais de encomendas. Ela estava perto do carro
acompanhada de duas amigas. Sentia-me leve, tomara um banho e um bom café da
manhã na terra do melhor café do Brasil. Diziam. Saia para trabalhar. Convidei
as moças para à noite irmos ao cinema ver O Pagador de Promessas.
Elas
aceitaram o meu convite. Não esperava. Tinha que me reorganizar pois teria que
voltar ao hotel. Paguei os ingressos. Foi nesta época que passei a frequentar
mais a cidade. Na fazenda, cheguei a passar dois dias seguidos. Comida farta
para 4 pessoas. A partir daí, o seu Josias, o fazendeiro começou a me mostrar
suas fazendas, nessa época eram duas com muito gado de corte, gado leiteiro,
porcos, carneiros e plantios organizados de milho para silo, arroz, feijão e
café. Foram quatro meses de namoro. Só.
Comprei uma
máquina fotográfica. Queria fotografa-la. Ela sempre foi muito bonita.
Descobri aí a
minha queda para a arte fotográfica. Nunca mais larguei a máquina.