As cataratas
RUFINO FIALHO FILHO
Nasser conviveu por décadas com aquela que dizia ser "a mulher mais bela do Vale". O pai do Divaldo por outros tantos anos, cego, limitou sua vida a recordar com os amigos a gigantesca aventura dos homens de Diamantina que mudaram a face do país com intervenções gigantescas, incluindo a construção de uma nova capital.
Calça curta na escola primária , em Diamantina, Nasser, nos seus 70 anos, traça esta trajetória com a visão que só os cegos têm, detalhes de cores e luzes.
A cegueira acabaria. Marcada a operação das cataratas, na capital, faz e volta para sua Diamantina e para Madalena, a mais bela mulher da cidade.
Encontra cedo com a sua Madalena. Assustado com a visão, não se conteve.
- Madalena como você ficou feia. Muito feia, feia demais.
Passou a percorrer a cidade se inteirando das transformação físicas dos seus conhecidos. Sustos após sustos. Também não se reconhecia no espelho.
- Não sou eu.
Tantas eram as rugas e a descoberta da velhice o abalou.
A lição do Nasser e a aceitação carinhosa e silenciosa de Madalena tornaram-se aquilo que Divaldo catalogou como a dimensão senil do amor.
Olho para o rosto de Débora, via com detalhes o envelhecimento do seu rosto, a pele amassada como papel amarrotado.
Recuperava a beleza daquela mulher fechando os olhos - não que não a quisesse ver.
Contentava com a memória que chegava com os perfumes.
Se o espelho nos igualava, também estava velho.
Éramos velhos e à beleza feminina vinham detalhes generosos e simpáticos, a alegria e o sorriso traziam de volta a menina, a moça, a mulher que sempre amei.
Mesmo chegando com deboche e ironias, são marcas da maturidade descontraída, alegre e lúcida.
12.05.2021