terça-feira, 21 de junho de 2022

Nasser, Madalena e Débora

 







As cataratas



 e a beleza revelada

 

 

RUFINO FIALHO FILHO

 

Nasser conviveu por décadas com aquela que dizia ser "a mulher mais bela do Vale". O pai do Divaldo por outros tantos anos, cego, limitou sua vida a recordar com os amigos a gigantesca aventura dos homens de Diamantina que mudaram a face do país com  intervenções gigantescas, incluindo a construção de uma nova capital.

Calça curta na escola primária , em Diamantina, Nasser, nos seus 70 anos, traça esta trajetória com a visão que só os cegos têm, detalhes de cores e luzes.

A cegueira acabaria. Marcada a operação das cataratas, na capital, faz e volta para sua Diamantina e para Madalena, a mais bela mulher da cidade.

Encontra cedo com a sua Madalena. Assustado com a visão, não se conteve.

- Madalena como você ficou feia. Muito feia, feia demais.

Passou a percorrer a cidade se inteirando das transformação físicas dos seus conhecidos. Sustos após sustos. Também não se reconhecia no espelho.

- Não sou eu.

Tantas eram as rugas e a descoberta da velhice o abalou.

A lição do Nasser e a aceitação carinhosa e silenciosa de Madalena tornaram-se aquilo que Divaldo catalogou como a dimensão senil do amor.

Olho para o rosto de Débora, via com detalhes o envelhecimento do seu rosto, a pele amassada como papel amarrotado.

Recuperava a beleza daquela mulher fechando os olhos - não que não a quisesse ver.

Contentava com a memória que chegava com os perfumes.

Se o espelho nos igualava, também estava velho.

 Éramos velhos e à beleza feminina vinham detalhes generosos e simpáticos, a alegria e o sorriso traziam de volta a menina, a moça, a mulher que sempre amei.

Mesmo chegando com deboche e ironias, são marcas da maturidade descontraída, alegre e lúcida.

 

12.05.2021