terça-feira, 30 de agosto de 2022

CONHECI UM PEÃO CHAMADO "PERIGOSO"


INÍCIO E FIM

 MaGrace Simão

                       

                         Eu estava tomando banho. Cézar, meu irmão, subiu correndo até a minha ala do apartamento. (Era um duplex, o que garantia as respectivas liberdades). Batia e gritava na porta do banheiro. Eu não entendia nada. Até que saí e ele contou: “Acabei de ouvir no rádio;você passou em primeiro lugar”. E eu, até aquele momento temendo não passar para o vestibular de Comunicação Social, mais precisamente, Jornalismo. 

                        Eu também fiquei perplexa. À noite saímos para comemorar

                        E só agora, impedida de exercer a profissão, (culpa de efeitos colaterais do coquetel anti-hiv, que provocou-me uma doença nos pés e a permanência numa cama), fui impulsionada a pensar no meu curso. Mas não de uma hora para outra, do nada. Foi por causa da absurda decisão do Supremo Tribunal Federal de dispensar o diploma para se exercer a profissão. Absurda sim. Sem meus estudos, minhas pesquisas e meus trabalhos na Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de Minas Gerais, talvez, talvez não, com certeza, eu não saberia ENXERGAR, não saberia ESCUTAR e sequer FALAR para exercer medianamente minhas atividades.

                          Para começar: a escola era dirigida por Lélio Fabiano. Uma pessoa de cabeça aberta, ousada, corajosa e que implantou um sistema educacional francês. Não me lembro do nome. Éramos alunos livres. Não havia obrigação de entrar em sala de aula. Mas entrávamos, com prazer. Não dependíamos de “decorebas” para  fazer as provas e passar de ano. A base de tudo, de todo o aprendizado era a reflexão. E sem dúvida, este é o ponto de partida para se tornar um bom jornalista. Sem a reflexão como fazer a pergunta correta? Daí caber ao jornalista falar e não DIZER. Cabe a ele falar de forma a induzir o entrevistado a DIZER.

                        Lembro-me que tinha uma matéria (esqueci seu nome, mas era ligada à filosofia) que como prova final, o professor pediu um trabalho sobre a possibilidade ou não do jornalista ser imparcial. Cheguei ao pajé de uma tribo para provar que era IMPOSSÍVEL ser imparcial. Lógico que não pude esquecer-me disto, já que meu trabalho foi realçado por ele. Como uma pessoa, que não estude e não reflita sobre um tema tão importante vai exercer a profissão? Tem como ser imparcial assistindo ao que se passa no ex-nosso Senado Federal?   

                        Era 1973. Ora, se você pretendia ser jornalista, tinha a obrigação de ser comunista. Por isso, eu escondia que era filha de pai rico. Eu nem sabia o que era ser de esquerda. Mas passei a sê-lo. E aí fui trabalhar no Centro de Estudos e Pesquisas da Faculdade. Roberto Marinho chegou a dizer: “dos meus comunistas cuido eu; só eles sabem fazer jornalismo”.  Com as aulas sobre política, sempre marxistas, comecei uma pesquisa sobre o sistema de trocas até a existência de supermercados. De cara, fui parar em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, onde tive uma das experiências mais ricas da minha vida.Lá encontrei a feira de sábado onde se adquiria produtos trocando-os: uma galinha em troca de dois saquinhos feijão. Quem quiser saber mais histórias desta fase, vou relatá-las, no final no PS, (post scriptum).

                       Fui boa aluna de latim.

                        Depois, fui parar na feira de rua do bairro Nova Suissa. Eu vendia frutas e verduras na barraca da Dilce. Acabava a feira, eu ia para o barzinho da esquina beber cerveja com os outros feirantes. E daí? Ora quer base maior para se trabalhar posteriormente sobre questões sociais e até econômicas? Conhecer de perto a realidade dessas pessoas?

                        Além disso,o curso, na época considerado o melhor do país, abria outras portas. Em cinema, meu filme tirou o primeiro lugar. Em teatro, com uma apresentação baseada em histórias em quadrinhos (recentemente um grupo de São Paulo ou do Rio fez a mesma coisa), acabei também vencedora. Estou querendo me promover? É claro que sim, sem disfarces. Em fotografia também, só que no caso o mérito cabe ao meu querido amigo Chico Bastos, que não só deu a idéia como executou as fotos. Minha escola era dotada dos mais modernos equipamentos de rádio TV, cinema, fotografia etc.

                        Aprender sobre ética na profissão foi tão importante, que até hoje ela me move. Na crônica “Aborto” (10/04) perguntei a Déa se podia citá-la. Todas as entrevistas em “off” estão em “off” até hoje. Qualquer político da minha época pode atestá-lo.

                        Muita gente alega que antigamente não precisava do diploma para exercer a profissão. Por quê agora precisaria? Ora, antigamente não existia globalização; antigamente o nível do nosso Congresso Nacional era outro; (cobri o Senado Federal logo que cheguei a Brasília e como eram enriquecedores os debates!); antigamente o nível da criminalidade era muito menor; antigamente o País não estava tão urbanizado.

                       Enfim, antigamente não existia Internet.

                        Nessa Selva de Pedra onde se publica o que se quer,sem  verificar a veracidade do que é narrado, para ser jornalista, é preciso sim, que a pessoa esteja muito, mas muito bem preparada. Ora, em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul,  acaba de ser aberta faculdade de produtor de rock. Não estou desmerecendo a preparação musical. E afinal o curso de jornalismo não vai ensinar sobre o novo acordo ortográfico. Com certeza, vai abrir um leque, um novo olhar sobre a vida tecnológica de hoje. Mesmo que não encontre imparcialidade, que ela seja buscada, que a ética seja um valor premente no dia a dia do jornalista. E que ele aprenda o que ela é desde a Grécia antiga até os atuais dias de nossos parlamentares. Enfim, o que deveria ser proposto é a melhoria do nível dos cursos de jornalismo, ensinando quais são os reais e verdadeiros valores hoje em dia, já que a falta deles é um exemplo que está vindo de cima. Ou alguém discorda do que narrei? Me senti preparada para entrar na profissão.

 

                    Insegura, porém!

 PS- Na feira de sábado de Araçuaí conheci um peão chamado “Perigoso”. Um negro alto forte e muito bonito. Acabei ficando amiga dele e de toda a família. Tão amiga que fui madrinha de “fogueira”  (uma tradição cultural realizada nas festas juninas) de seu filho Joãozinho. Eu me hospedava no campus do Projeto Rondon, perto da casa dele. E quando fazíamos churrasco improvisado à noite, à beira do Rio Araçuaí, eu acabava dormindo em sua casa. Dormia no chão batido da cozinha. Era ele quem me levava, na garupa de seu cavalo, para as festas do sindicato rural, aos sábados. E me vigiava,como um irmão mais velho.

                        Da primeira vez que fui ao Vale, fiquei cerca de 3 meses. Depois voltava de 4 em 4 meses, ficava de 1 a 2. Neste ritmo, acabei me integrando a um outro projeto com Fátima, Regina e Glória: cadastrar os artesãos do Vale do Jequitinhonha. Era uma loucura: debaixo de um sol escaldante, a pé, a gente percorria estradinhas de terra para encontrar as casas. Em cada uma, a garrafa de cachaça, feita na região, era colocada à mesa. Não beber era mais do que falta de educação. Era ofensa. E assim, voltávamos à noite para o campus, de “cara cheia” nas carrocerias de caminhões, que pegávamos como caronas. Sob uma lua também cheia, maravilhosa. Acabamos criando a Associação Mineira de Artesãos, que todo ano, no mês de julho, realizava a feira deles no campus da Universidade em Belo Horizonte.

                        Um dia, já formada, eu estava no jornal e me ligam do Hospital das Clínicas, acho. Um paciente dizia me conhecer. Cheguei para ver. Era Perigoso, que ao pular no rio (no mesmo local dos churrascos) bateu com a cabeça e faturou uma vértebra do pescoço. Todos os dias eu o visitava, levando sucos para ele tomar de canudinho. Um dia, encontrei sua cama vazia...

                                                 

Postado por MaGrace Simão em 13/08/2009