quinta-feira, 27 de outubro de 2022

A ROSA DE MARTI





 




A prisão que carrego nas costas


Rufino Fialho Filho

 

 

Cultivo una rosa blanca

 

José Marti

 

Cultivo una rosa blanca

En junio como en enero

Para el amigo sincero

que me dá su mano franca

 

Y, para el cruel que me arranca

El corazón com que vivo,

Cardos ni urtigas cultivo:

Cultivo una rosa blanca

 

 

 

 

 

 

O que são os sonhos? Já havia acordado, levantei e voltei a deitar. Foi pouco depois das 5h. Amanhecia, dia frio e chuvoso, embora não mais caísse aquela água permanente, sentia-se a umidade. Tempo frio. Úmido. Deitei, cobri-me com três panos e o meu corpo estava quente. Na madrugada chegara a suar. Idade? Andropausa?

 

Sonhei. Primeiro com os meus filhos, Raquel, Raquel e Isabela. Nós dois, mais ela, atentos com Isabela, em um lugar que mais parecia um clube e cheio de gente, muitas pessoas, rapazes e moças. Raquel pergunta indignada por Isabela e afirma categoricamente o nome de um rapaz. Quando nos aproximamos, Isabella está sentada, forte e segura, embora com o rosto triste, mas triste por causa do seu desempenho. Ela não gostara da apresentação que fizera.

 

Depois, talvez nesta mesma festa, eu acompanhava uma criança pequena que começava a caminhar. Caminha por todos os lados, toma suas primeiras quedas comigo e é inquieta, quer entrar em todos os lugares e sair, entrar e sair.

 

Aí o outro sonho, volto à minha casa e na rua mal consigo encontrá-la.Como sempre vejo estas cidades, a casa está em obras. Não é só a casa. Toda a cidade. Obras por todos os lados. Prédios explodindo, onde antes não imaginávamos que prédios poderiam surgir, por todas as razões e, principalmente, pela proibições das posturas municipais.

 

Lá estavam os prédios saindo em meio às casas. A nossa casa estava lá em meio a um tumulto. Coisas do lado de fora e a casa dividida, uma parte era uma firma, ela está, chamo, ela e o seu novo companheiro, velho companheiro, um crioulo baixinho (idêntico ao crioulo de Mariazinha), vem atender. Ela me abraça.

 

Controlo o meu corpo e o dela. Não tenho a mesma liberdade que ela, ela me abraça e choramos, sua irmã está na sala. Choramos e falamos “e os nossos filhos?”

 

Choramos e choramos, as pessoas sentam, sinto que o crioulo é um homem bom. Sinto. A irmã dela também chora e sai da sala.

 

Eu me pergunto sobre o que é o amor, pois eu ainda a amava mesmo com toda a consciência de tudo, de tudo o que sofremos, por tudo, por nossas inconsequências, irresponsabilidade. Eu. Eu, o irresponsável, por nunca ter sabido amar. Por nunca ter sido capaz de na minha imensa paixão e amor, de jamais ter sido capaz de entender, corresponder e ser um ser verdadeiro para um outro ser.

 

A verdade é que não era verdadeiro nem para mim.

 

Sento na cama com este sonho na cabeça, sem saber se o anotaria agora ou depois. Depois o esquecimento era certo.

 

Sento na cama. Sete horas, tenho que levantar para trabalhar.

 

Sento na cama, só. Olho em volta, na janela e vejo as grades.

 

Grades.

 

É, lá estão elas, embora seja um quarto da casa do meu pai, ali estava eu, como eterno prisioneiro de volta à prisão.

 

Era um catre, talvez a cela de um seminário. Talvez o quarto da própria casa do meu pai. Mas era uma prisão.

 

Eu mais uma vez, como sempre,  irremediavelmente, preso.

 

Numa prisão que carrego “em meu próprio dorso”.